terça-feira, outubro 28, 2008

Mares e Marinheiros


Perdoem-me a memória fraca que já vou tendo ou que sempre tive e talvez se não notasse tanto, mas na estória que vou contar para não falhar nomes de pessoas, embarcações ou datas, omitirei alguns, o que não altera de todo a mesma.
O camarada que capitaneava os portos de Timor preparava-se para sair de Macau a bordo do rebocador Lifau, rebocando a lancha de desembarque Laleia, que por sua vez carregava uma pequena lancha de fiscalização (Andorinha?), entre outras coisas, com destino a Timor.
Já não me lembro se a Laleia tinha estado em reparação nas Oficinas Navais de Macau ou se ali havia sido construída.
O importante, porém, eram os milhares de milhas que separavam os dois territórios, atravessando todo o Mar da China, as Filipinas, entrando depois na zona da Indonésia com miríades de ilhas, até chegar a Timor-Leste. Acrescia o facto se estar em plena época de tufões que chegavam a atingir mais de quinze nós de velocidade no seu deslocamento para oeste e com ventos que muitas vezes ultrapassavam os 200Kms/h e vagas de dez a quinze metros de altura.
O Lifau só muito dificilmente conseguiria chegar aos cinco nós, rebocando com bom tempo. Ninguém imaginaria que conseguisse safar-se com mares de tufão.
A empresa não se apresentava fácil, como fácil não foi convencer o camarada a aguardar que chegasse o Setembro, para garantir uma maior probabilidade de não ter maus encontros pelo caminho.
Salvo erro, em meados de Agosto, depois de eu próprio ter feito a calibração da agulha e de se ter conseguido que levasse um sargento artífice radioelectricista, lá arrancou o Lifau da Doca das Oficinas Navais, entre panchões e benzeduras.
Através da fonia, fomos acompanhando até onde foi possível a viagem do Lifau através dos Mares da China, onde a pirataria ainda se fazia sentir com frequência e uma total impunidade.
Julgo que, a bordo, só o Comandante teria uma pistola. Os quartos rodavam pelo comandante, mestre de manobra timorense e artífice, que, tenho ideia, terá desembarcado em Manila e regressado de avião.
Uns dez dias depois, o navio entrava então em Manila apresado pela esquadra americana do Pacífico, com cenas lamentáveis por parte dos nossos camaradas yankees. Só depois de muitas andanças diplomáticas foi o navio deixado seguir, tendo chegado a Díli, quase um mês depois de largar de Macau.
Tanto o Lifau como a Laleia foram de grande utilidade no abastecimento à ilha de Ataúro, onde se refugiou o Governo e grande parte da guarnição militar portuguesa daquele território, aquando da invasão pela Indonésia em Novembro de 1975, pouco tempo depois da sua chegada.
Gostava de aqui deixar um apontamento de reconhecimento pessoal ao camarada que, sem dar especial importância ao facto, cumpriu esta missão ingrata e com riscos evidentes, pendurado no seu cachimbo marinheirão e apenas dependendo de si, já que quase não tinha ligações com o mundo exterior e não dispunha duma guarnição militar disciplinada e treinada.

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segunda-feira, outubro 27, 2008

Nome da sorte ou sorte no nome

Não tenho muitas dúvidas de que se fosse pai dum rapaz, nos tempos que correm, lhe punha o nome de Ronaldo.
Este nome deve vocacionar os miúdos para o futebol, além de lhes dar características indiscutíveis de grande qualidade no seu desempenho.
Vejamos os mais recentes bafejados pela sorte no nome – o primeiro, brasileiro, foi jogador do Barcelona e do Milan, tendo sido nomeado melhor jogador do mundo nos anos de 1996, 1997 e 2002.
Anos depois apareceu outro Ronaldo, brasileiro também, que se fez conhecido como Ronaldinho Gaúcho ou, apenas, Ronaldinho, que foi oferecido por um vencimento de 300 contos ao Estrela da Amadora, que o rejeitou na impossibilidade de lhe pagar semelhante ordenado. Teve este jogador a sorte de ir parar ao PSG e daí saltar para o Barcelona. Foi nomeado em 2004 o melhor o jogador do ano pela FIFA.
Quatro anos mais tarde outro Ronaldo, de sua graça completa Cristiano Ronaldo, este português, conquistou com indiscutível mérito o tão almejado troféu de melhor jogador do ano, depois de ter feito uma época fantástica no Manchester United.
Diria que parece sina.
Qualquer destes Ronaldos assegurou fortuna pessoal, que terá muita dificuldade em gastar, por maiores asneiras que possa vir a fazer ao longo da vida.
Para eles, a crise passa ao lado, a não ser que os bancos onde guardam a massa lhes passem a perna, falindo.
A sorte dum nome.

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sexta-feira, outubro 24, 2008

Podes roubar-me o pão, a fome não...(José Régio)

Enquanto militar do activo sofri na carne a tortura de ter que ser aquilo que queriam que fosse, sem sentir muitas vezes que deveria assim ser.
Hoje, afastado da efectividade do serviço percebi o quanto teve de bom para mim o ter sido daquele modo e não doutro.
Somos todos fruto da educação que fomos recebendo ao longo da vida. Em casa, na escola, no trabalho, no círculo de amigos em que nos movimentamos.
Viver é dar e receber. É uma troca, nem sempre equilibrada e justa, mas que nos vai moldando.
Em casa, fui enquadrado pela rigidez de princípios, sobretudo, do meu pai, detentor também dum enorme sentido de justiça.
Nasci já com a guerra no fim, mas ainda lhe apanhei o rabisco sem propriamente lhe sofrer o impacto directo. Lembro-me do racionamento, da miséria generalizada, do Estado Novo com a sua velha ordem. Os embarques das tropas que seguiam para a Índia, de madrugada, muito contestados e com cenas de violência entre a polícia e os familiares dos militares que partiam.
Como membro da Academia e da sua Secção Artística, a revolta de ver recusada pela censura interna do Liceu uma peça de José Régio – O meu caso – que pretendíamos levar à cena na festa do 1º de Dezembro.
Claro que a entrada na Escola Naval não me foi fácil, sobretudo pelo regime de internato, a que nunca estivera habituado.
Durante os longos períodos de embarque e navegação, senti bem na pele o quanto isso me havia sido útil.
À própria praxe, que tanto me custara suportar, também lhe reconheci a utilidade, mormente, durante o curso de fuzileiro e na guerra colonial que fiz na Guiné - o espírito de sacrifício, o tormento do desconhecido, a angústia e expectativa, o controlo sobre o medo, a camaradagem, o sentido de entreajuda, a “endurance”.
A variedade de situações por que passei foram esculpindo a peça em que hoje me tornei, arestas torneadas, pele curtida pelo sol, a rebeldia sofrida e retraída, finalmente liberta, os olhos buscando horizontes, a ingenuidade sarada pelo tempo, o gosto salgado das coisas, a alma soprada por alísios e tufões.
O regresso ao convívio da minha cidade natal trouxe-me a descoberta de nunca daqui ter saído, mau grado não conhecer praticamente ninguém.
O sabor dos coentros, sei agora, nunca ter esquecido, assim como tão bem cantam os melros e tão mal as rolas.
Se alguma coisa aprendi ao longo de todas estas vivências foi a respeitar o próximo, quer o tenhamos por amigo, adversário ou inimigo.
Também julgo ter aprendido que as situações complicadas requerem que estejamos atentos e actuantes.
Como militar, embora reformado, peçam-me sacrifícios mas não me peçam compreensão.
Sou…como sou! Sou, como me fizeram!

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quarta-feira, outubro 22, 2008

um velho dia, um novo lamento

um sol mortiço
um soluço contido
uma lágrima furtiva
num abraço adiado

bagas secas douradas
ao sol poente
chuva de prata
em quarto minguante

fumo branco de queimada
terra preta arroteada
mão em prece erguida
esperança sempre renovada

um Deus esquecido
um amor traído
um travo amargo
em bocas famintas de alegria

luz negra de farol apagado

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Em vez de palavras

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sexta-feira, outubro 17, 2008

Confusões tendenciais

Imagem daqui
Ontem, em conversa com um “filho da escola” que me deu a alegria da sua visita, saltaram algumas discrepâncias dos tempos que correm.
Há dias foi chumbada, na Assembleia da República, uma proposta de lei que daria resposta à pretensão dos homossexuais se constituírem legalmente como casais, através do casamento.
Independentemente da controvérsia que a questão possa levantar, dos preconceitos socioculturais em aceitar tal desiderato, da posição da Igreja Católica, etc, há um aspecto que ressalta e que me parece estranho e que é o facto de cada vez mais os casais hetero se distanciarem da solução casamento, preferindo a união de facto, que lhes dá, eventualmente, maior liberdade e responsabilidade na relação, pela falta de outros vínculos que não os afectivos.
A maior potência do mundo, que até há pouco tempo geria a seu belo prazer a os destinos da quase totalidade dos países do mundo, espera agora uma ajudinha externa que lhe permita voltar a mexer os cordelinhos como fazia. E o curioso, também, é que anda tudo em polvorosa a tentar resolver-lhe os problemas, porque a economia mundial não dispensa a sua saúde financeira.
Nestas coisas, para que custa arranjar respostas, outra se perfila como nebulosa. Porquê o petróleo atingir valores malucos, ultrapassando tudo o que o senso comum pudesse imaginar, para agora vir por aí abaixo sem que se vislumbrem razões plausíveis para assim acontecer?
Será que num futuro próximo podemos arranjar respostas para as nossas questões e, sobretudo, termos “headlines” que ajudem os nossos filhos a escolher os caminhos menos tortuosos que os levem a bom porto?
Até parece que a Terra gira ao contrário ou, como diz a canção, que os rios nascem no Mar.

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quinta-feira, outubro 16, 2008

E viva o Benfica!

Não se pode ligar a televisão nem ouvir noticiários na rádio. A telenovela é sempre a mesma, embora com cenários diferentes – a crise financeira e agora económica, mal acautelada na proposta de OE para 2009. As bolsas e o petróleo a subir e a descer. Quanto aos impostos, não se sabe bem se sobem, baixam ou nem por isso. Só a Selecção desce sempre. O pessoal já sente saudades do Sargentão, que enche o bandulho de dinheiro e de gozo com os “bifes”, enquanto o Queirós os trocou pelos “açordas” cá do burgo.
Mas o que mais me irrita e entristece são as oposições, incapazes de desempenhar o papel que lhes cabe neste espectáculo degradante. Um dos líderes, pelo menos é coerente. É raro ver-se e ouvir-se. Para quê? Para fazer figura de parvo e dizer asneiras, só para não ficar calado? Mais vale assim! O calado é o melhor, já dizia a minha avó Albertina, que tinha a mania de dizer coisas!
É melhor esperar que o senhor caia da cadeira, de maduro, claro!
Os sindicatos são agora confrontados com acusações de conluio nos despedimentos colectivos das empresas, por via das indemnizações pagas aos trabalhadores, de que recebem uma percentagem. A acreditar nisso seria o fim da picada. Que mais nos poderá acontecer?
A Segurança Social em pré-falência, os fundos de pensões em falência, os seguros de vida e as poupança-reforma em risco. O que nos resta?
Até a Senhora de Fátima está em crise…
Só nos fica o Benfica cá em baixo ou o Porto lá em cima, carago!

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segunda-feira, outubro 13, 2008

Polícia Marítima de Macau (1975-1979)

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sábado, outubro 11, 2008

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quinta-feira, outubro 09, 2008

O Verão dos Marmelos


Ele aí está com bastante calor até o Sol se pôr, para depois arrefecer até dar vontade de acender a lareira.
É altura de os apanhar e fazer a popular marmelada ou, em alternativa, cozê-los aos pedaços com metade do peso em açúcar e duas estrelas de flor de anis ou raspas de baunilha.
É agradável e ajuda-nos, sobretudo, a saborear esta época de luminosidade ímpar, de caça e castanhas, de nozes e figos secos.
Época de contrastes, de amarelos e castanhos, do cair da folha e de alguns sonhos de Verão, mas já com promessas do aconchego das achas crepitando e de serões longos.
As estórias que ficarão por contar, por falta de tempo, coragem ou de quem as escute, dirão mais de nós do que aquelas que forem contadas.
Tempo de recolha e de balanço, de carregar a despensa em consonância com a fábula da formiga e da cigarra ou com a conjuntura que vivemos.
Verão dos marmelos, tempo de mudanças, que antecede o frio do branco e negro que se avizinha e que sempre nos faz estremecer pela perspectiva do cinzento.

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quarta-feira, outubro 08, 2008

Ibo - A ilha do diabo

Não sei se já contei esta estória, mas também não tem muita importância esse facto, pois que não seria capaz de a reproduzir do mesmo modo, mil vezes a contasse.
Ao remexer uns papéis daquilo que é a memória das coisas, ou seja, uns apontamentos rabiscados no momento em que ocorreram os factos, descobri neles um episódio que na altura me chocou grandemente por ter destruído a imagem que queria guardar do modo como a guerra colonial estava a ser conduzida por nós.
Moçambique, Ilha do Ibo, meados de 65, a bordo do Aviso de 1ª Classe Bartolomeu Dias. A missão consistia em transportar da prisão que funcionava na fortaleza da ilha, uns quantos prisioneiros de guerra, designados “turras”, para uma prisão perto de Lourenço Marques.
Em virtude do calado do navio tivemos que ficar fundeados a uma distância de terra de cerca de uma milha.
Os prisioneiros foram transportados em embarcações à vela locais, que armavam com uma vela latina de grandes dimensões, envergada no mastro. Cada embarcação trazia de dez a vinte prisioneiros, escoltados por uns quantos soldados armados de G-3.
A manobra de atracação não era fácil, devido às refregas rijas e variáveis, que obrigavam a constantes manobra da vela para conseguir ganhar barlavento e depois deixar descair a embarcação sobre o navio, com a vela arriada. A mestria nativa foi amplamente demonstrada na série de manobras perfeitas conseguidas.
Uma vez a embarcação atracada eram largadas as redes de abordagem que permitiriam a gente desembaraçada escalar os cerca de dois metros do costado do navio com facilidade.
Só que os presos vinham num tal estado de debilidade física, que se tornou necessário içá-los para bordo com ajuda do pessoal do navio.
Com os meus vinte e dois anos e uma pujança física adequada também quis ajudar e, enquanto um dos soldados empurrava um velhote a partir da embarcação, eu cá de cima agarrei-lhe num braço e puxei-o. Foi então que tive a sensação mais estranha da minha vida – a impressão de lhe ter arrancado o braço e de estar a içar apenas essa parte do corpo. Mas não era isso que acontecera. Eu estava de facto a içá-lo inteirinho da Silva. Só que não pesaria mais do que um membro superior dum corpo normal.
O cheiro pestilento, o estado de inanição, os parasitas e o medo que tresandavam e que lhes fazia bater os dentes como castanholas, obrigou a que lhes fosse dado um banho e feita uma desinfecção pelo pessoal do serviço de saúde do navio, antes de ocuparem parte duma coberta da guarnição, improvisada em prisão. Foram-lhes distribuídas fardas de serviço interno para substituírem os farrapos que lhes cobriam o corpo, entretanto queimados.
Segundo relato dos soldados acompanhantes, a maioria dos presos já era obrigada a comer, fazer as necessidades e dormir de pé, por falta de espaço na prisão da Ilha.
A princípio, os presos mostraram alguma relutância em entrar no navio, porque estavam convencidos que iriam ser lançados ao mar, algures.
Depois do banho, da desinfestação e duma alimentação igual à do pessoal da guarnição, começaram a acalmar e acabaram mesmo por estabelecer relacionamento com o pessoal, com as poucas palavras de português que conseguiam alinhar.
Ao chegarmos ao nosso destino – LM – negaram-se a sair de bordo e foi preciso quase maltratá-los para que isso acontecesse.
Choravam e agarravam-se às nossas mãos como se estivessem a agarrar-se à vida.
Nunca mais vi a guerra da mesma maneira!

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terça-feira, outubro 07, 2008

Subprime ou SubPrime? Eis...a questão!

Não estou doente.
Estou gasto, como o nosso dinheiro. Vazio, como os nossos cofres.
Irritado como o treinador do Sporting. Agastado como o do Benfica.
Nunca poderia perder 500 milhões como o Belmiro, porque nem sei o que isso é! Cabe em quê? Num camião TIR, num livro de cheques ou numa cautela da Sta Casa da Misericórdia?
As únicas coisas que poderei perder, se as não souber guardar, são as amizades que arregimentei ao longo dos anos, fruto do companheirismo, partilha, entreajuda e espírito de equipa, tanto nos bons como nos maus momentos.
Resolvi não ver nem ouvir noticiários para não entrar em parafuso.
Não bastavam já os “nossos erros” para termos ainda de importar os dos “outros”.
A aldeia global, globaliza também as asneiras. A Subprime, ou lá como isso se chama, atravessou o Atlântico, não de barco ou avião, mas pela net, pelos media, pelos investimentos arriscados de alguma banca dependente e instalou-se nas nossas casas e pior do que isso, nas nossas mentes, atormentando mais o nosso dia a dia, já de si cheio de preocupações doutra natureza.
Estou em crer que esta crise só pode mesmo servir os interesses dos partidos políticos. Uns, para justificar o injustificável, outros para argumentar apenas e contestar somente, o justificável.
Se o endividamento dos portugueses era uma dor de cabeça, poderá ter-se transformado numa enxaqueca permanente.
Só mesmo a Senhora de Fátima poderá fazer o milagre que o nosso SubPrime não conseguiu.

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