sábado, outubro 31, 2009

Todos em 1

Nas escrevinhanças que por estas bandas tenho feito e no que respeita à descrição de factos por mim vividos, não tenho tido o cuidado de lhes dar uma ordem cronológica ou outra, limitando-me, na maioria dos casos, a passá-los a escrita na exacta medida em que os saco da memória ou de apontamentos tomados na altura da sua ocorrência.
Rarissimamente me atrevo a sobre eles tecer juízos de valor, sobretudo quando me merecem afecto especial. Isto, porque de certeza iria inflacionar o seu merecimento ou valia. Os filhos não têm defeitos aos olhos dos pais.
As soluções que vamos encontrando para resolver os problemas com que nos vamos confrontando ao longo da vida, raramente podem servir nos mesmos moldes a outras pessoas, ainda que em situação semelhante.
Isto, porque cada um de nós tem uma visão diferente do mundo que nos rodeia e reage de modo diverso perante os mesmos estímulos, fruto da educação, da cultura técnica, da experiência acumulada, da coragem física e moral, da conceptualização da missão atribuída que impõe a determinação ou a relutância no seu cumprimento.
Não quer isto dizer que seja de todo impossível padronizar soluções, sobretudo em questões técnicas.
Focando a minha experiência naval, julgo que me faltaram, em determinados momentos, estímulos capazes de me orientar e catapultar para uma carreira naval aliciante e proveitosa do ponto de vista técnico-profissional.
Apesar de ter passado por situações enriquecedoras do ponto de vista humano e social, não tive uma carreira profissional coerente.
Talvez por não ter pertencido a uma das famílias navais de especialistas – comunicações, artilharia, armas submarinas, electrotecnia – a minha actividade foi dispersa por sectores tão variados quanto podia ser. A bordo, como não era especializado, acabei por me “especializar” em imediato. Comandos, só em terra nos fuzileiros e no âmbito da autoridade marítima.
Eu que, em termos escolares, só tinha sido aluno em toda a minha vida, vi-me de repente na situação de director escolar dum dos grupos de escolas da Armada com cinco escolas de formação atribuídas e mais dois cursos que ali eram também ministrados, fora delas.
Sem saber uma só nota musical fui, por força das funções que desempenhava, mais do que uma vez presidente do jurí de admissão de músicos para a Banda da Armada.
Tive a grata oportunidade de servir o país na Direcção de Faróis, extremamente enriquecedora do ponto de vista pessoal. Ali aprendi como é possível ser-se especializado em tudo na vida.
Os faroleiros, como já o deixei expresso em apontamento específico anterior neste blogue, são a prova provada de como é possível ser-se tudo num só – marinheiro, pescador, electricista, operador de gás (acetileno, butano, o que for), mecânico (motorista, torneiro, de precisão, etc), pedreiro, canalizador, pintor, jardineiro, agricultor e até, quando necessário, enfermeiro.
Ainda e já na fase final da minha tão variada carreira naval, me vi envolvido na difícil tarefa de gerir pessoal civil e militar (sargentos e praças).
Eu, como os faroleiros, teremos sido os precursores do 2 em 1, 3 em 1 ou, melhor, todos em 1.

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Era só Eu e o Mar

Escrever e publicar um livro, continua a ser um sonho de muitos e uma concretização de poucos.
Ontem tive o privilégio de assistir, a convite do autor, ao lançamento do seu primeiro livro, que constitui também um seu relato autobiográfico, com pontos de contacto com a minha própria vivência profissional.
Ambos nos temperámos nas humidades da Guiné, dos Açores e de Macau, estremecemos com a emotividade da guerra, curtimos a pele com a salmoura oceânica e nos enredámos nos raciocínios circulares orientais.
Escrever uma história na primeira pessoa é uma aventura acrescida a quem se lança no revisitar das suas memórias, raramente conseguida sem excessos ou omissões.
Em termos navais a narrativa mostra uma carreira que cruza horizontalmente todas as áreas profissionais dum oficial da classe de marinha, que foi crescendo na confiança dos chefes pelas provas dadas de competência e sentido das responsabilidades no cumprimento das funções atribuídas.
A sensação que tenho da sua leitura é a de que o autor pretendeu fazer uma espécie de balanço testemunhal e testamentário do que foi a sua vida naval e de quanto o conhecimento dela poderá interessar a terceiros.
Considero um acto de coragem, numa altura em que ninguém se interessa por coisa nenhuma nem com ninguém.
Como o apresentador do livro sublinhou e muito bem, este, deveria ser de leitura iniciática obrigatória na Escola Naval.
Era só eu e o Mar”, retrata bem a pessoa do seu autor, firme nas convicções e no seu amor pelo Mar e pela Marinha.
Parabéns ao Mário Alvarenga Rua.

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