Na minha meninice, a economia familiar de subsistência obrigava a que as pessoas que tinham algum espaço no quintal ou hortejo, criassem o seu porquito para matar no Inverno e o engordassem com os desperdícios alimentares seus, que não seriam muitos, ou e dos vizinhos.
Para isso deslocavam-se com carrinho de mão com dois latões, de porta em porta, recolhendo os sobejos, deixando atrás de si um rasto de odores característicos, capazes de virar o estômago ao mais resistente.
Outros havia que faziam a recolha com carroça puxada por muar, normalmente de noite, para dar menos nas vistas e incomodar menos as pessoas.
A minha mãe tinha do lado de fora da porta da cozinha, que dava para o quintal, a chamada lata das sobras, onde se deitavam os restos de comida, de vegetais e cascas de frutos, que eram entregues à noitinha a um dos filhos da Ti Elisa, que além dos porcos tinha também vacas de leite, às quais tenho muitas dúvidas de que não desse também parte das sobras.
Mais tarde, já homem, lembro-me de criadores de porcos irem buscar os restos dos ranchos dos quartéis, fazendo com eles a engorda dos ditos e dos quartéis-mestres, que recebiam algum por fora.
De toda esta prática ancestral, terá ficado o termo “se há-de ser para os porcos”, que reclamava o aproveitamento dos restos para os próprios ou, num sentido mais amplo, poderia querer dizer que as coisas acabam por sobrar para nós, em vez de irem parar aos porcos.
Este dito, no sentido amplo antes indicado, sempre foi muito usado por mim e terei sido responsável pela sua divulgação e mesmo espalho por toda a Guiné, em 1970.
O então Major Firmino Miguel, assistindo preocupado ao embarque de parte do meu destacamento, incluindo eu próprio, a bordo dos helis para uma operação na raia fronteiriça com o Senegal, junto a Bigene, que seria a minha estreia naquele teatro de operações, achou por bem, dar-me umas palavras de encorajamento, ao que lhe terei respondido que não havia azar, terminando com a expressão “Se há-de ser para os porcos…”.
Ele encarregar-se-ia de a divulgar e banalizar por toda a Guiné, que só tinha outra capaz de a rivalizar “O que tu tens é nervos…”.
Ora bem, eu diria que no contexto actual, esta expressão volta a ter sentido, mas não com o anteriormente indicado.
Ora, atente-se!
Se eu quisesse retrucar a quem pensa que pode retirar-nos não só o direito, mas a necessidade, básica para a grande maioria, do 13º e 14º meses, dir-lhe-ia – Não!Não! Se há-de ser para os porcos, antes para mim!
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