sexta-feira, setembro 05, 2008

Ainda os valores e os números

Nesta sociedade de consumo compulsivo em que nos encontramos, não se descortina espaço para apreciar e estimular valores de carácter ou morais, que tolhem movimentos e podem ressumar outros tempos.
De facto, toda a estrutura da economia assenta no gastar e no usar e deitar fora. Habituados que estejamos neste esquema, dificilmente sairemos dele sem grandes e graves convulsões sociais.
Nem os pobres e carentes aceitam de bom grado ajudas humanitárias ou de apoio social, entendendo o gesto como de comiseração e marginalização ofensiva.
É estranho falar-se em dificuldades económicas dos portugueses e assistirmos, em contínuo, a espectáculos caros com bilheteiras esgotadas - touradas, concertos, raves, ainda alguns jogos de futebol.
Os destinos de férias dos portugueses não se restringiram ao mercado interno, procurando no outro lado do Atlântico, o encanto da diferença.
O parque automóvel tem vindo a ser sistematicamente enriquecido com modelos de gama alta, ao ritmo do endividamento familiar.
As cidades, mesmo as do interior, disponibilizam com êxito crescente ginásios e health clubs, que abarrotam de gente que procura melhorar a sua imagem, muito mais do que a saúde.
Nem mesmo os assaltos a bancos e bombas de gasolina, fazem os portugueses ter mais cuidado nos gastos, evitando idas ao banco ou no abastecimento de viaturas para os seus passeios ou deslocações.
Quem pensa já em mandar arranjar computadores, televisores, máquinas fotográficas ou qualquer electrodoméstico? Sai mais caro aumentar a memória do disco rígido, do que comprar um computador novo.
Os telemóveis que não sejam, pelo menos, 3 em 1, não interessam a ninguém. Telefonar passou a ser a única forma conhecida das pessoas se relacionarem. Quando muito, fazem-no também através do computador, pelos vários Messenger, que hoje se disponibilizam na Net.
As pessoas já não se procuram para se conhecer, mas para se exibir, negociar ou fazer sexo.
As televisões vendem sonhos de papel de lustro, não se importando já com a qualidade, sabendo de antemão que tudo que não cheire a real, tem saída garantida. O controlo, a moderação, o recato, são demasiado sombrios e desinteressantes para ocuparem os seus tempos de antena, que têm que promover as vendas de inutilidades que já não dispensamos.
Não está em causa a modernidade, a tecnologia nem o desenvolvimento. Acho que pomos em causa todos os dias a nossa capacidade de, enquanto cidadãos responsáveis e discernidos, salvaguardar alguns valores que nos eram caros e que terão feito de nós pioneiros em muitos aspectos.
Fomos dos primeiros países da Europa e do Mundo a trocar a monarquia caduca por uma república que muito prometia de liberdade igualdade e fraternidade.
Fomos dos primeiros países do mundo a acabar com a escravatura e a pena de morte.
Fomos dos que se libertaram duma ditadura com quase cinquenta anos, sem derramar praticamente uma gota de sangue.
Era bom que a memória do que já fomos nos pudesse ajudar a encontrar o caminho para o que queremos ser.
Menos números, mas com valor acrescentado.

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