terça-feira, agosto 26, 2008

O Último Passeio

Foto daqui

Após muitos anos de afastamento da vivência da minha cidade natal por razões que se prenderam com as opções profissionais, retomei-a há pouco tempo, duma forma mais ou menos regular.
Obviamente, que se notam imensas diferenças comportamentais e de hábitos das pessoas, em parte motivadas pela reinstalação da Universidade que trouxe muita gente jovem, com mentalidade e atitudes que, a pouco e pouco, foram influenciando a cultura residente.
A democracia também pressionou e ajudou a abrir mentes e a repor tolerâncias esquecidas.
A televisão veio compor o ramalhete, fazendo os homens ficar em casa e miscenizando a cultura local com culturas externas, primeiro a brasileira através das telenovelas, coisa que assolou todo o país, depois a cultura de violência com carimbo norte-americano, sobretudo.
Deixei uma sociedade essencialmente rural e machista, com um pequeno comércio tradicional, nada competitivo, sem vida cultural e com interesses reduzidos a futebol, copos e conversas de café para os homens e vida exclusivamente doméstica para as mulheres.
Os pais ainda fiscalizavam a vida privada dos filhos, sobretudo das filhas, velando para que conseguissem manter a virgindade até ao casamento que, na altura, era praticamente o único objectivo e asseguraria a tranquila continuidade e a sensação do dever cumprido.
Retornei a uma sociedade urbana de comércio e serviços altamente competitiva, com seis ou sete grandes espaços comerciais, algumas empresas agrícolas viradas especialmente para a vitivinicultura em detrimento dos cereais, praticamente sem campesinato, e com alguma animação cultural.
Ficaram porém alguns hábitos que julgo têm que ver com a própria configuração da cidade que tendo aumentado em dimensão, se não alterou muito a nível de centro vital do burgo, onde ficam os serviços camarários, os bancos, os principais cafés e restaurantes, o próprio centro histórico. Pois é aqui que todas as manhãs se reúnem os homens, sobretudo velhos e desempregados, para conversar e dar conta do que se passa.
É também aqui, na Praça do Geraldo, que todos os dias, se afixam num placard, que já vinha do meu tempo, os óbitos registados no dia, substituindo o toque dos sinos das igrejas que antes se faziam ouvir e que ainda soam pelas pequenas aldeias e vilas.
É este, o derradeiro passeio e encontro das gentes da cidade, ali mesmo no centro histórico, por onde toda a gente passa ao longo da vida.

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