segunda-feira, julho 07, 2008

Retorno


Fui atirado para as carteiras do liceu, outra vez, ao reler Virgílio Ferreira. Durante algum tempo foi professor substituto do professor de Português da minha turma, que apareceu mais tarde já com o ano escolar em curso. Talvez por isso não se tenha esforçado muito.
Aulas monótonas, num monólogo interminável, praticamente sem levantar os olhos da secretária. Um ar cansado que o acompanhava sempre como se respirar constituísse, por si só, esforço bastante.
Linguagem hermética e indecifrável para garotos alentejanos do segundo ciclo, com um ligeiro sibilar beirão que o catalogava de galego.
Não sei se alguma vez nos olhou directamente e se fixou algum dos nossos nomes. Julgo que ele odiava simplesmente o ensino, que se lhe impunha como meio de subsistência.
Escritor, naquele tempo, não devia ser suficiente para garantir independência financeira. Ler não era apanágio dos portugueses e obras traduzidas noutros países julgo que não teria ainda.
O sacrifício era mútuo, já que aturá-lo não era simples também.
Manteve-se pelo Liceu de Évora até o seu filho adoptivo, de seu nome Virgílio também, ter acabado o secundário e ter ingressado na Faculdade em Lisboa, para onde se transferiu.
Penso que Évora e o Alentejo lhe carregaram a bagagem de experiências diferenciadas, de que “A Aparição” se dá conta.
Com uma vida literária longa e fecunda, estes contos que agora leio, não deixam de demonstrar a sua faceta de escritor do feio, mas também retratam a postura duma pessoa atenta e preocupada com os problemas sociais do seu tempo.

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