sexta-feira, julho 04, 2008

Nariz ao Vento


Como um perdigueiro a farejar a caça, encho as narinas no vento carregado de odores das mostardas já secas e de outras herbáceas das marismas, de quando em vez cortado pelos dos pinheiros e abetos plantados para sombrear e proteger o caminho aberto nas dunas para dar passagem aos veraneantes até aos areais da restinga.
É um trajecto que cumpro religiosamente num ritmo a um tempo rápido e biológico, isto é, capaz de garantir actividade cardiovascular acima do normal mas manter a respiração regularizada, com capacidade sobrante para desfrutar do milagre diário da vida entre marés.
Nos esteios, por elas criados, como se fossem artérias e veias, a água leva a humidade a toda uma vegetação que dela precisa, permitindo-lhe sobreviver aos calores do Verão escaldante. Aí se protegem também os alevins das investidas dos predadores até serem capazes de, por si sós, deles escaparem na luta pela sobrevivência.
Neste vaivém das águas, as marismas vão-se livrando dos produtos tóxicos que fabricam e são renovadas de nutrientes que necessitam. Entretanto, a voracidade humana retirou-lhe a maioria dos caranguejos que por ali se viam em profusão, há uns anos atrás, que cavavam galerias onde se escondiam e que serviam também de reserva de água entre marés.
Este sistema vascular não sei quanto tempo mais vai durar. As marés um pouco maiores já quase afogam a vegetação que ficava sempre em seco, apenas com as raízes humedecidas.
A pouco e pouco ou a muito e muito lá vamos cavando a nossa sepultura cultural e arrastando para ela os outros companheiros de infortúnio, que não têm culpa nenhuma das asneiras que vamos fazendo.

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