domingo, junho 01, 2008

Outro Alentejo


Serranias em toda a volta. Sobro e azinho. Adivinha-se o Guadiana lá em baixo. Paisagem agreste mas ainda verde pelas chuvas que ultimamente têm caído e permitido que nos vales se tenha semeado um pouco de girassol e meloal. Mais para a caça do que para colher. As rolas ou atrasaram a sua viagem por falta de ventos de feição ou já não vêm. Aqui e ali saltam os perdigões, já que as fêmeas protegem as ninhadas acabadas de nascer. O gado espalha-se pelas encostas dentro das cercas com portadas de arame que é preciso ir abrindo.
Ouve-se o silêncio cá de cima, onde o conforto da mansão empoleirada no alto do monte, nos permite desfrutar a solidão como coisa nossa, não partilhada.
O Pulo do Lobo fica um pouco mais para jusante, lá onde o Rio, saído das barragens, ainda mantém a sua traça inicial.
As nuvens de grande desenvolvimento vertical dizem-nos que as trovoadas ainda espreitam e que a qualquer momento nos podem lavar a alma das mentiras do dia a dia, do cansaço da representação que, de há muito, temos em cena.
As conversas amenas, na pacatez das amizades partilhadas, fazem regressar aos tempos da adolescência, onde os problemas eram de pronto solucionados pela eficácia do gesto mais do que das palavras.
Hoje, as crateras do tempo no cinzento das têmporas ou nas calvas luzidias, mostram os trajectos percorridos pela genética, com as pinceladas coloridas que lhes vamos emprestando, nas nossas práticas de desgaste rápido – uns tintos, umas fatias de presunto montanheiro de fabrico próprio, umas tiras de queijo de Serpa ou da Serra, uns queijitos de cabra, bem salgadinhos.
Depois uns ovos mexidos com presunto do mesmo, uns pezinhos de coentrada, que estiveram três dias no sal antes de serem cozinhados, umas cabecinhas de borrego assadas no forno, que vão sendo escalpelizadas de forma ordenada e profissional, com as alfaias afiadinhas na pedra de amolar, acompanhadas por um pão saído do forno de lenha de Vale dos Mortos.
Para terminar uma fritada de achigãs, que haviam sido roubados às águas profundas e claras de duas barragens, um pouco antes, depois de bem escamados, cortados em pedaços e envoltos num polme constituído por farinha, poejos picados, sal e sumo de limão.
O tinto fez aquecer as almas que se manifestaram em coros de canto alentejano, enfeitando o silêncio da paisagem envolvente, com os seus dissonantes de sétima acima.
A paz baixou com o sol no horizonte, a azia no estômago e o regresso tardio, mas sereno.

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