terça-feira, março 11, 2008

Universidade da Vida


Uma das prerrogativas dos velhos é o facto de já terem vivido muito e, como tal, terem aprendido muito, por muito burros que o tenham sido.
Quando a vida é aquela que quisemos viver, quando nela corremos alguns cantos do mundo, quando tivemos a oportunidade de a viver com grande intensidade, então estamos formados pela Universidade da Vida, em Cidadania do Mundo.
O canudo está na alma e pode ser lido em cada ruga da cara. A sabedoria é a que vamos aplicando diariamente, fermentada pelo calor humano que nos rodeia e servida com a temperança da idade.
As estórias que contamos, mesmo se imaginadas, mais não são do que reflexo do que já fomos e já vivemos.
Podemos ter mais ou menos jeito para pintar o quadro, mas a paisagem é facilmente reconhecida como já vista ou sonhada.
Os personagens, ainda que ficcionados, podemos vê-los todos os dias passar ao nosso lado na rua, olhá-los na TV ou reconhecê-los nos escaparates dos jornais.
Por muito que queiramos inventar, mais não conseguimos do que inventariar.
Em Macau, pouco tempo depois do 25 de Abril, conheci um médico do Exército, que deixou escapar esta pérola de sabedoria – “Ainda ontem era fascista e querem que hoje já seja comunista? Deixem-me ao menos ler os livros!”
Pois é! Os livros que já lemos e, sobretudo, os que não conseguimos ler! Por falta de tempo, por falta de vontade, por não os sabermos ler!
Já pensaram que a maioria dos livros que se publicam, são-no em línguas de que nem sequer conhecemos os símbolos gráficos ou os ideogramas que as materializam na escrita, que não tiveram tradução, ou mesmo que a tenham tido, não chegou ao nosso conhecimento a sua existência.
Se repararem, há medida que o tempo passa por nós as crispações vão-se atenuando. Porque há mais elementos de informação para apreciar as situações e, por conseguinte, as coisas não se nos apresentam só como inconcebíveis, intoleráveis, inadiáveis e tantos outros qualificativos começados por "in".
A Universidade da Vida ensinou-nos a reconhecer o mérito e o demérito de tudo o que nos rodeia, como forma de defesa e sobrevivência.
Havia velhos lobos do mar que à aproximação de terra já lhe sentiam o cheiro muito antes que a vista a alcançasse.
Os velhos são, pois, uma reserva de conhecimentos que a maior parte das civilizações milenares, como as orientais, respeita e ouve sempre que não encontra nos manuais as respostas de que precisa.
Funcionam aí, como uma espécie de memória colectiva, que há que preservar.
Os ocidentais, atiram-nos para os asilos, para a ignomínia do anonimato mais atroz e só deles se lembram quando querem os seus votos ou constar no seu testamento.
Julgo que o meu diploma da UV, não me confere mais do que um passaporte para esse esquecimento colectivo.

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