segunda-feira, novembro 05, 2007

O Cieiro Outonal

Já não me lembrava dele, desde os meus dezasseis ou dezassete anos.
Acontecia com a pontualidade do calendário meteorológico. Um pouco depois do início do ano escolar, começavam os ventos de Espanha, secos e frios, que faziam gretar os lábios e mãos e punham o nariz a pingar e vermelhudo.
Procurávamos os cantinhos soalheiros, onde se não fizesse sentir esse vento frio e cortante, aquecendo as mãos com o bafo ou com o calor do cigarrito fumado à sorrelfa, longe da vista dos “contínuos”.
À noite é que eram elas, sobretudo quando criança, em que a minha mãe me obrigava a pôr glicerina nas mãos e na cara, que ardia como o diabo.
As modificações climatéricas, o resguardo a que as pessoas se obrigam, as roupas e adereços adequados, os cosméticos sofisticados generalizados, tudo isso faz com que os ventos do nordeste já não castiguem como o faziam a não ser para quem, como eu agora, anda a redescobrir todas essas maravilhas perdidas pelo sótão da memória.
Descobrir, tem a excitação do desconhecido, a expectativa do diferente, o orgulho e o prémio de conseguir. Lança adrenalina no corpo.
Redescobrir, tem o sabor da renovação, a serenidade do conhecimento relembrado das coisas, a oportunidade de o usar de forma diferente e prazenteira, o fascínio de reviver na forma desejada. Lança paz no espírito.
Consigo esquecer, quando quero, o mal por que passei, lembrando o bem que isso me fez ou a experiência que me trouxe.
Antes as mãos e os lábios gretados que a alma.

Etiquetas: