terça-feira, outubro 09, 2007

Vida de Cão

Durante muito tempo a expressão, vida de cão, era entendida como uma vida difícil, havendo que lamber muitas mãos para garantir as sopas e os sobejos, que não eram muitos.
O cão tinha normalmente lugar na rua, um pouco ao Deus dará e, na melhor das hipóteses, arranjava poiso debaixo da mesa onde, de quando em vez, lá sobrava um ossito ou algumas peles, de bacalhau que fossem.
Cão, tinha que justificar o ganho de cada dia ladrando à aproximação de estranhos, intimidar com o seu aspecto feroz a entrada ilegítima em quintas e mansões, ajudar na manobra de manadas e rebanhos, mordendo os cascos das vacas tresmalhadas ou na coxa dos ovídeos, obrigando-os a regressar aos limites definidos pelo pastor.
Perdigueiro que no primeiro dia de caça não parasse as perdizes e levantasse as lebres longe do caçador, ou era largado no campo, longe dos caminhos que o pudessem trazer de regresso ou abatido (como um cão), sem dó nem piedade.
A canzoada só era vacinada contra a raiva, porque era obrigatório por lei. Isto, para aqueles que não podiam escapar aos olhares das autoridades locais.
Durante muito tempo a existência de um cão era sinal de abastança, já que isso só era permitido a quem tinha sobras alimentares. Ninguém pensava em alimentá-los de forma diferente, nem no mercado abundavam alternativas. Pedia-se no talho os sebos do borrego e os ossos de vaca e com eles se melhorava a dieta desses animais.
Ainda me lembro do meu pai dar purgas de óleo de rícino aos cães porque de vez em quando havia que limpá-los das bichas e outros parasitas intestinais.
Hoje, há cães que têm uma vida melhor que muitos portugueses. Ainda bem para os cães. Ainda mal para os portugueses.
Se entrarmos num supermercado, a dificuldade é escolher o tipo de ração que havemos de dar ao nosso companheiro canídeo. Dos granulados aos enlatados, com ou sem aditivos vitamínicos e cálcicos, tudo ali existe para lhes dar o conforto alimentar e o aspecto saudável que necessitam. Até dentífrico, para que os seus dentes sejam sadios e não tenham mau hálito, como muito boa gente que conhecemos. Material de limpeza e higiene de várias marcas e para todos os fins, garantindo-lhes um estado de asseio, que não assiste a muitos humanos.
A ida ao veterinário passou a estar na ordem do dia e lá vão os nossos inseparáveis companheiros com mais frequência do que muitos de nós, para serem pesados, desparasitados, vacinados contra uma data de doenças e muitas vezes operados. Há mesmo quem os leve ao psicólogo para lhes aliviar o stress de viverem paredes meias com os seus donos psicóticos e terem que lhes aturar estas paranóias.
Outros ainda, vão regularmente ao cabeleireiro fazer cortes e permanentes, arranjar unhas e fazer madeixas.
Para alguns, as férias dos donos são passadas em estâncias hoteleiras para canídeos, onde têm tratamento de primeira, muito superior ao prestado nos asilos de velhos, agora designados de lares da terceira idade, a que eu chamaria de última idade, bem como nos infantários do estado.
Os seus donos podem ter umas férias despreocupadas em relação aos seus bichinhos de estimação.
Pensando melhor, quem tem vida de cão?

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