terça-feira, outubro 30, 2007

Agricultura Biológica ou "Biutópica"

Em tempos, a propósito duma iniciativa louvável mas verdadeiramente utópica, designada por “um dia sem carros”, em que são encorajados os cidadãos a não utilizar viaturas particulares nas suas deslocações nesse dia, na reunião preparatória com os responsáveis autárquicos, em que participei, tive oportunidade de sobre este assunto manifestar a minha opinião. Não estava a ver que, além das pessoas detentoras de pelo menos dois carros familiares, houvesse muito mais aderentes, visto toda a gente ter a sua vida organizada em torno de horários rígidos, a que a sua viatura não é alheia. Ir levar e buscar filhos à escola, fazer compras nos grandes espaços comerciais, normalmente excêntricos em relação aos meios urbanos, fazer deslocações para e do trabalho com a oferta existente de transportes públicos, não me parecia possível sem graves sacrifícios familiares e pessoais.
Por outro lado, estar a pedir a pessoas que só muito recentemente haviam ganho o direito de usar uma viatura própria nas suas deslocações, representando isso um salto qualitativo no bem estar social e familiar, que abdicassem dele nem que fosse por umas horas, não me parecia realista.
Claro que os resultados acabaram por dar-me razão, com baixíssimas taxas de adesão à iniciativa. Ficou, no entanto, a mensagem, ficaram as intenções, falou-se da melhoria do ar respirável, da redução dos ruídos urbanos, da diminuição dos consumos energéticos, etc.
Com a agricultura biológica passa-se situação semelhante. Continuam a ser as pessoas que têm dois carros, com preocupações que ultrapassam a satisfação das necessidades básicas, as eventualmente interessadas em usufruir dos alimentos provenientes da designada agricultura biológica, isentos, à partida, de resíduos químicos tóxicos e prometendo sabores naturais, há muito desaparecidos dos palatos mais exigentes.
Ou seja, salvo explorações de pequena dimensão dirigidas a um nicho de mercado muito pequeno, mas com recursos acima da média, com uma rede de distribuição bem montada e uma divulgação adequada junto dele, não existe no meu entender grande futuro para esta actividade económica.
Vejo por outro lado, a possibilidade das pessoas dos meios rurais, que praticam uma agricultura de subsistência, poderem regressar um pouco aos processos tradicionais de tratamento da terra e de produção, com economia de meios financeiros e melhoria de resultados efectivos na qualidade dos produtos que colhem.
O que já não era mau, se assim acontecesse.
Trocar as químicas por produtos orgânicos na correcção das terras ou usar igualmente produtos naturais, armadilhas ou práticas agrícolas para afastar, iludir ou eliminar pragas que afectam as culturas, parece-me possível se as pessoas receberem a mensagem certa, na altura certa, por pessoas da sua confiança.
Não se pode estar a pedir a quem tem fome que não coma produtos resultantes de práticas agrícolas industriais, repletas de adubos, químicas preventivas ou curativas contra ervas e doenças. A fome mata mais do que eles.
Acresce a este facto, as intenções já anunciadas dos Estados Unidos, de quererem diminuir a sua dependência energética do petróleo por recurso ao BioFuel, combustível obtido a partir de cereais. Não parecem muito prometedoras no que respeita à biodiversidade e à utilização racional e natural dos solos, antes ocasionando uma corrida à monocultura destes produtos, com excessivo uso de adubos e pesticidas e com eventual ocupação de todas as terras disponíveis.
Vai ser, durante muito tempo, negócio garantido para quem faz da agricultura a sua profissão e o seu modo de vida.
Pode pedir-se a um empresário agrícola que abdique dele a favor da agricultura biológica, que a breve trecho não aparece como alternativa válida, em termos económicos?
As perspectivas não são as melhores, mas há que pensar o que estamos a fazer a nós próprios e às gerações vindouras.
Estamos a comprometer-lhes a própria sobrevivência.
Esta será mais uma questão a que teremos de dar resposta em breve: AgroBio ou BioFuel?

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