quinta-feira, setembro 06, 2007

Luzes da Ribalta

"Deux petits chaussons du satin blanc..."

A idade não perdoa! Hoje estamos bem, tudo corre com naturalidade para amanhã ser tudo diferente! Dói aqui, dói acolá, a tensão arterial sobe vertiginosamente, as articulações negam-se a cumprir as suas funções, a vista trai-nos. As diabetes espreitam, o colestrol ameaça, o ácido úrico faz inchar o dedão do pé, a próstata prega-nos a partida. A vida sexual faz lembrar um filme legendado – a gente percebe a cena mas é melhor ler as legendas.
Resta-nos a memória do que já fomos! Nem sempre clara, nem sempre nítida mas reconfortantemente revivida, quiçá, com maior protagonismo.
Ao recordar, representamos um papel que já foi nosso e que nem sempre constituiu um sucesso de desempenho, por isso há que introduzir-lhe pequenas nuances que o tornem mais de acordo com aquilo que o público, que também somos nós, gostaria que tivesse sido. Há que prolongar as cenas de amor, melhorar as performances sexuais, garantir que os murros que damos, façam o adversário, pelo menos sangrar do nariz…
Há que colorir as cenas obscuras ou amarelecidas pelo tempo com as cores vibrantes da nossa imaginação, agora temperada com a experiência ganha.
Ao relembrar factos políticos, há que adocicar o azedume que nos causa falar de tempos em que não podíamos manifestar as nossas opiniões, em que se falava para dentro com receio que o eco da própria voz, pudesse denunciar-nos à polícia política.
Assiste-se a um branqueamento de figuras sinistras, dum regime maquiavélico, que parece querer renascer em cada momento que passa ou em cada medida governamental tomada.
Não há como moderar a voz para denunciar tal facto, não existe forma de como dourar a pílula quando disto se fala, nem como desmerecer de todos os que, mais do que nós, souberam tornar-se uma barreira intransponível ao seu avanço.
A idade não perdoa, mas trouxe-nos o arrojo e, de alguma maneira, a impunidade de quem já deve poucos anos à cova.
Encadeados pela luz da ribalta, resta-nos esperar pelos aplausos para saber que temos o público do outro lado, solidário, no mínimo complacente com a nossa actuação.
Cai o pano!

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