quarta-feira, maio 23, 2007

De Coimbra a Braga passando por Castelo de Vide

A Igrejinha já foi palco de várias peças no designado teatro da vida.
Tempos houve, em que as suas terras férteis ao longo dum extenso vale da Oliveirinha à Cerâmica, davam trigo e cevada com fartura e apascentavam grandes rebanhos de ovelhas, nos restolhos e pousios. Nas manchas de montado, varas de porcos engordavam a boleta.
Os latifúndios, nas mãos de meia dúzia de famílias, impunham as regras, os horários de trabalho, as jornas e definiam o destino das famílias dos trabalhadores, que se acantonavam nos montes isolados ou na aldeia.
Quando a maioria da campina alentejana produzia analfabetos, em quantidade assustadora, a Igrejinha aparecia como um oásis nesse imenso deserto.
Alguém a intitulou, por laracha, de “Coimbra do Alentejo”. Também a glosar este tema, se comenta por cá, que até a professora sabia ler.
Com a construção da Barragem do Divor e com o estabelecimento do regadio, alteraram-se práticas agrícolas . A propriedade dividiu-se e foi introduzida a vinha.
Foi construída uma fábrica de descasque de arroz e de transformação de tomate. Mais tarde, acrescentou-se à sua linha de produção, a transformação doutros produtos de regadio.
Os trabalhos rurais mecanizaram-se e foram criados postos de trabalho especializado, ligados ao manejo destas novas ferramentas, mais bem pagos, mas em menor número.
Nasceu um proletariado rural e criou-se alguma estabilização nos postos de trabalho.
Parte dos trabalhadores, que não abraçaram estas inovações tecnológicas, viram-se na necessidade de procurar noutros países, trabalho não qualificado, com melhores remunerações e garantia de trabalho todo o ano. A Suiça apareceu como destino preferido, mas também a França acolheu alguns dos filhos desta terra.
O 25 de Abril e a designada Reforma Agrária alteraram temporariamente a divisão fundiária da região, rapidamente reposta.
A entrada na UE e os "dossiers" comunitários para a agricultura, em vez de fomentarem o desenvolvimento e revitalização do sector, antes tiveram efeitos perversos, contribuindo para o estagnar da actividade, através de subsídios para não produzir ou para arrancar!
A fábrica do tomate foi fechada, atirando com uma porção de gente para o desemprego, sem alternativas.
Além da vinha e da criação de gado vacum, só o arroz e milho de regadio, entregues a seareiros de fora ,se quedaram como actividades agrícolas locais com alguma expressão.
Com os subsídios fizeram-se charcas para o gado, por todo o lado. Essas águas dantes escorriam por riachos e ribeiros, levando a humidade a muitas terras, hoje sentidas da sua falta.
De qualquer forma, a Igrejinha é uma terra privilegiada. Existe humidade bastante ao longo de todo o vale e a temperatura média no Verão é bastante mais baixa do que na vizinha cidade de Évora. Esta diferença levou-me a designá-la também como a “Sintra do Alentejo” à semelhança de Castelo de Vide.
Mas o clima está em transformação profunda. O ano passado nevou como já não acontecia há mais de cinquenta anos. Este ano choveu com grande regularidade ao longo de todo o Inverno e a Primavera conheceu já uma série de trovoadas com chuvas torrenciais e granizo, fazendo lembrar tempestades tropicais.
Além de darem cabo dos meus “árduos trabalhos” de jardinagem, têm fustigado rudemente quem ainda se envolve em práticas agrícolas, desafiando a ira da Natureza e dos governos deste país.
Espero bem não vir a ter que apelidar também a Igrejinha de “Penico do Céu”, em compita com Braga.

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