quinta-feira, março 29, 2007

A Memória da Terra

Até era uma aldeia simpática, onde se podia respirar ar limpo, onde o silêncio se fazia ouvir e onde as pessoas eram quase todas parentes, de alguma forma. Havia uma bomba de gasolina desactivada por falta de fregueses, sendo necessário meter combustível a pelo menos 8 Kms de distância.
Sentia-me como um intruso, tratado como forasteiro, apesar das minhas raízes alentejanas.
As pessoas, se bem que simpáticas não queriam misturas, ou por falta de à vontade ou por desconfiança.
A rusticidade ainda é patente nos rostos, nas ocupações, na pele gretada das mãos e dos lábios, mas começa a perder-se nos hábitos, com o aparecimento de gente que aqui se veio radicar, por ser perto da cidade onde as rendas são caras, por opção de vida como é o meu caso, ou simplesmente porque aqui comprou uma segunda casa, para fins de semana.
Os mais jovens já usam “brinquinho”, “piercings” e cabelos compridos - eles - apanhados em rabo de cavalo. Já existem internautas e companheiros de blogosfera entre os filhos da terra.
Embora cada vez se sinta menos, o calendário ainda se vai regendo pelo pulsar das tarefas do campo, com as sementeiras e as colheitas como balizas temporais.
O Borda d’Água ainda dita as suas leis e ainda se acredita nos poderes da Lua.
As mezinhas caseiras e as coseduras de carne quebrada e nervo torto, continuam a fazer concorrência às práticas médicas modernas, cada vez mais longe e mais caras.
Mas tudo corre o risco de se perder no esquecimento da vida moderna, que vem chegando ao ritmo de cada óbito, de cada urbanização, de cada aterro ou desaterro.
Chamam-se ainda trazes, às ruas só de quintais nas traseiras das moradias, que deixaram de ser unifamiliares e de um só piso, para começarem a organizar-se em dormitórios suburbanos da cidade.
O silêncio já se não houve. Durante o dia camiões basculantes carregados de brita ou de materiais de construção, fazem adivinhar o pior.
A bomba de gasolina já não tem mãos a medir.
É o progresso dizem alguns.
Era bom que fosse. Era bom que fosse possível fixar as gentes da terra, para deixarem de procurar na Suíça o sustento da família ou duma razão para viver.
Eu temo pela aldeia! Eu temo por mim!

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