domingo, fevereiro 11, 2007

Uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma

As incongruências do ser civilizado, democrata, ímpio, moderno numa palavra.
Ter a expectativa de vida aumentada com os avanços da ciência, dos conhecimentos médicos e das novas tecnologias postas ao seu serviço. Se não for aqui, no estrangeiro, que é já ali ao lado, numa viagem de horas por avião, nesta aldeia global.
O acesso a esses meios está, no entanto, cada vez mais complicado, com a falta de emprego, consequente falta de dinheiro, com o envelhecimento generalizado da população, com as despesas da saúde cada dia mais elevadas e os recursos financeiros resultantes das comparticipações da população activa menores. Logo, a resposta do Serviço Nacional de Saúde, que disso só tem o nome, ser cada vez mais pequena e estou em crer, que muito em breve será nenhuma.
Convenhamos que não será fácil gerir este drama.
Logo a expectativa de uma vida mais longa, perdeu-se.
Outra incongruência resulta do facto de sermos diariamente bombardeados com radiações dos ex-libris da nossa modernidade – televisores, telemóveis, computadores, microondas, para falar só dos mais generalizados, porque outros há de efeitos, porventura, mais nefastos, embora atingindo uma parte diminuta da população. Como consequência, imediata ou nem tanto, a infertilidade, a impotência masculina, a surdez, as arritmias cardíacas e outras sequelas, que fazem com que nos reproduzamos menos, com que tenhamos menos prazer nas relações que estabelecemos.
Não esgotando a panóplia de incongruências, não poderia deixar de referir aquela maravilha com que a indústria nos contempla e que se chama automóvel.
A velocidade a que nos deslocamos, poupa-nos imenso tempo nos transportes públicos que nos permite estar mais tempo com a família, que também tem o mesmo problema e que portanto também terá que dispor doutro carro para se deslocar. Para pagar este encargo acrescido há que arranjar um part time e lá se terá ido o tempo com a família. Além disso há dois seguros, duas revisões, etc, etc, etc. Os miúdos lá ficam entregues à ama, no jardim escola, na escola da rua. A melhoria de vida corre o risco de levar o casal ao divórcio, por discussões permanentes sobre o uso e abuso dos carros.
O sermos incrédulos permite-nos olhar a vida e a modernidade como um bouquet de oportunidades, onde não tem cabimento o escrúpulo, o remorso, a consciência pesada da moral ofendida. Pisar os outros na escalada passou a ser prática incrementada nas escolas, em que só “os fortes” sobrevivem. Não há lugar para os normais.
A democracia dá-nos,no entanto, a possibilidade de constituirmos uma minoria com voz activa, mas sem audiência.
Não importa se fazemos um médico interessado, humano, atento e de sentido prático. Há que garantir que aquele que tirou medicina está apto a ganhar o Prémio Nobel, mesmo que não saiba ou não queira curar uma gripe.
E lá vamos de sonho em sonho perdido, de pesadelo em pesadelo andando, no caminho mais longo para a alegria de viver, mas mais coerente com o que desejámos: viver de forma moderna como os outros, democrática à nossa maneira, stressada quanto baste e curta quanto possível, porque a vida tornou-se uma grande chatice e uma grande complicação.

Já não há espaço para sermos nós.

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2 Comments:

Blogger Bolinha said...

Há sempre tempo para sermos nós,quando estamos com os nossos pensamentos,quando fazemos coisas com nos dão imenso gozo,quando surpreendemos os filhos ao gostar de Pearl Jam ,os afilhados com os nossos dotes de escrita ah ah ah etc etc....bêjo

12/2/07 21:50  
Blogger JR said...

Até que enfim tenho alguém a comentar as minhas maluquices.
Um beijão

13/2/07 13:46  

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