segunda-feira, fevereiro 05, 2007

D.Camilo e o seu diabólico Mundo

Um dos filmes que terá marcado uma época, baseado num livro deslumbrante e demolidor em sarcasmo, de Giovanni Guareschi, foi certamente Don Camilo.
Fernandel, na figura do padre-cura de aldeia, anticomunista primário, exacerbado opositor de Peppone, chefe local da célula comunista que, em tempo de guerra, também cometia os “seus pecados”, terá encarnado prodigiosamente a personagem de ficção.
Feio como o pecado, forte como um touro e inamovível nas suas convicções até mesmo quando interpelado pelo seu Patrono do alto da cruz sobre o Altar da Igreja, D.Camilo ressuscitou nesta peça romanesca, que se desenrola nos palcos portugueses, sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Este D.Camilo, com ou sem sotaina rota e desbotada, reclama também o direito de dar um pontapezinho no traseiro de cada cidadão ou cidadã que no próximo referendo se manifeste nas urnas pelo SIM, apesar da Conferência Episcopal Portuguesa, em Manifesto sobre esta temática, se ter declarado neutra no que ao processo jurídico-político concerne, remetendo-se para a posição assumida e divulgada de Jesus, ao perdoar os pecados da mulher adúltera.
Já não me lembro bem como acabam o livro e o filme, mas julgo que consigo imaginar o fim desta telenovela, quer este tombe para um lado quer tombe para o outro.
Os médicos que se mostram tão relutantes em matar formas embrionárias de vida, não são os mesmos que o fazem nas clínicas, onde se pagam balúrdios?
Podem não ser as mesmas caras, mas são as mesmas mentes, são regidos pelas mesmas normas ético-profissionais, os mesmos juramentos, os mesmos embustes!
Quantos doentes morrem por negligência médica? Quantos por erro de diagnóstico, ou por medicação inadequada?
A ética não é a mesma?
Quantos “crimes de aborto” tiveram, em confissão, o perdão de padres que hoje se negam a perdoar quem vote SIM?
Pois bem, na minha óptica, a única vantagem de votar SIM é a de acabar com a ignomínia e a hipocrisia. Porque a Lei que hoje existe, não funciona. E se não funciona, não existe!
Não funciona, porque não há coragem nem vontade de a tornar efectiva. Por isso, risque-se! Apague-se!
Quanto ao efeito de abolir os abortos clandestinos, não acredito nisso porque não parece existirem condições socioculturais para que uma adolescente possa recorrer ao serviço público de saúde para abortar. Como reagiria a família?
A família prefere que ela o faça clandestinamente para poder ignorar o facto e não ser com ele confrontada.
Depois os serviços de saúde sempre poderão aconselhar, por falta de meios, o recurso às clínicas privadas, como solução.
E quem não tiver dinheiro vai ao vão de escada e, se sobreviver, confessa-se.
Aí, também se arrisca que, desta vez, lhe não seja concedido o perdão!

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