quarta-feira, janeiro 10, 2007

A Saga do "Barco Negro"

É muito difícil abordar esta questão sem ferir a susceptibilidade das partes envolvidas. Embora a minha distanciação da vida activa da Marinha, permita uma leitura menos apaixonada, temo que mesmo assim possa ser afectada por ser parte interessada, que sou e que sempre fui pelas coisas do Mar e pela segurança marítima em particular. Este aspecto parece-me relevante na medida em que a parte final da minha actividade profissional esteve directamente relacionada com a segurança das operações em embarcações de transporte de passageiros. Sei o esforço que é necessário para fazer entender aos marítimos que a segurança das embarcações, dos tripulantes e dos passageiros, no caso, passa por coisas tão simples como estar atento, conhecer bem o material (a embarcação, o equipamento, a ferramenta, os meios de salvação, a zona onde desenvolve a sua actividade), saber utilizá-lo e ter respeito por si e pelos outros. Sei também que a rotina é a principal inimiga. Em trabalho, especialmente no mar, não se pode facilitar. A formação profissional é elemento importante, mas tem que ter regularidade e continuidade. Só assim é possível garantir que aquilo que hoje é aprendido, não é esquecido amanhã, morto pela mornaça do dia a dia.
É uma luta que tem outro inimigo cruel, que é a cultura do mar, isto é, "sempre se fez assim, é assim que deve e tem de ser feito". "Os marinheiros fazem-se no Mar, não é lá nas escolas."
A existência de seis vítimas mortais a lamentar, impede a frieza de análise necessária.
Quando e quem deu o alarme? Quanto tempo mediou entre a recepção da notícia e o ínico das operações de socorro? Que meios foram usados e que meios haveria para disponibilizar? Como foi tentada a salvação dos tripulantes e como poderia ter sido?
Um dos elementos que de imediato ressalta é o da posição da embarcação numa zona de rebentação, que dificulta grandemente as operações de resgate.
Outro, é o do tempo em que as acções de salvamento têm que ocorrer. O tempo é sempre escasso para quem está em perigo de vida, em pânico senão em choque, com frio e a perder as forças e a esperança.
Por fim é o dos meios a utilizar naquelas circunstâncias, em pessoal e em material. Não me parece que houvesse à mão cabos susceptiveis de poderem ser passados entre a embarcação e terra em tempo oportuno, para ajudar os tripulantes a vencer a força das ondas e o eventual enleio nas redes.
Depois quem levaria os cabos? Ou como se fariam chegar à embarcação? Espingarda lança-cabos? Quem na embarcação estaria em condições de os receber e fazer arreigada? Não se pode obrigar ninguém a morrer para tentar salvar outros!
Custa muito ver morrer pessoas a uns escassos metros de poderem ter tido outro destino que não aquele, mas temos que entender que o tempo e as condições para que isso pudesse ter acontecido não parece terem existido.
As acções de socorro devem ser feitas por profissionais, embora na sua ausência possam e devam ser tentadas por quem se sentir mais habilitado para o fazer. Mas não se pode obrigar ninguém a fazê-lo se para isso não tiver preparação e habilitação específicas.
Os acidentes previnem-se - essa é a solução. Tudo o resto são remedeios mais ou menos bem ou mal sucedidos.

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