sexta-feira, janeiro 26, 2007

Papiá Cristan de Macau

Os quatro anos que passei em Macau terão sido porventura dos que mais me marcaram em termos de experiência vivida.
Macau constituiu durante séculos um ponto de encontro e de cruzamento de culturas, de convivência pacífica entre comunidades que nem a língua partilhavam.
A sobrevivência dos primeiros portugueses naquelas paragens passou certamente por entender e ser entendido, o que não deve ter sido tarefa fácil. A grande maioria seria provavelmente iletrada, sem capacidade para registar, a não ser de memória os sons complicados da linguagem falada.
Terão criado, com a ajuda dos Missionários, uma “língua crioula”, o designado”Papiá Cristan”, suportada inicialmente apenas pelo ouvido, como se fora uma canção.
Com ele terão lançado as raízes duma permanência de mais de quatro séculos.
No final da década de Setenta, lembro-me de ter pensado como fora feliz o slogan então em uso como cartão de visita turística – Venha a Macau! Macau esperou quatro séculos por si!
Na altura, eu teria acrescentado um outro que teria como pano de fundo a Fachada das Ruínas de S.Paulo, aliás, ex-Libris da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, a que acrescentaria o seguinte texto - Macau é só fachada. E era de facto, mas agora penso que ainda bem.
Entendo, mas é para mim doloroso ver as imagens que diariamente nos chegam daquelas paragens, em que se não distingue esse Macau, completamente soterrado pelo desenvolvimento urbano incaracterístico, resultado duma aculturação de conveniência com os dinheiros fáceis dos Casinos, que o travestiram de “Vegas de olho rasgado”, como numa fantasia de Escola de Samba Brasileira.
Dentro em pouco ficará para sempre igualmente afundada a memória do Português em Macau, do Macaense e do seu Papiá Cristan.

Crioulo Português de Macau (”Papiá Cristan”)

MACAU JÓVI

Macau sã unga téra,
De tánto fantasia;
Qui na paz, qui na guéra,
Tudo sã alegria.
Su gente sã capaz,
Sã gostá divertí.
Non têm siúm de cartaz,
Qui nádi vêm aqui.
Nôs têm unga “Ministro”,
Qui tudo sá fazê.
Têm cara de calistro,
Co sorte pa vendê.
“Ministro” já cartá,
Quelê tánto artista
Pa vêm repesentá,
Insaguá nôs sua vista.
Têm tánto musiquero,
Têm mágico chistoso;
Têm dotôr gatunero
Têm cáfri habilidoso.

Mas má-língu falá,
Êle sã chuchuméca !
Buscá sarna cuçá,
Pa nôs gastá sapéca.
Si nunca sã assi,
Únde Cugat,
Pashá,
Sabe vêm nôs aqui,
Dá brinco nôs olá?
“Ink’spot” co trê Latino,
Iturbi co Giováne,
Sã “Ministro” ladino
Já virá fazê gránde.
Gente qui ta Papiá,
Sã têm mau coraçám.
Nhum qui más invejá,
Sã nhum de pôco açám !
N’unga mundo de treva,
Têm laia-laia gente.
“Ministro” nádi reva,
Lôgo ri, mostrá dente.

(do livro Macau sã assim,
de José dos Santos Ferreira -”Adê” -,
Macau, 1967)

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