quarta-feira, dezembro 20, 2006

O Presépio frio

Finalmente o frio chegou, saído da minha infância e adolescência, com geadas nas zonas viradas a norte, placas de gelo nas taças das fontes e chafarizes e sol quentinho nos cantos abrigados de sul. O meu passeio matinal com os cães, enregelou-me as extremidades dos dedos, trazendo-me de volta o termo engadanhado. As ervas das bermas da estrada estavam brancas e estaladiças. Foi um passeio “crocante”, para utilizar um neologismo.
Até os cães mal punham as patas no chão para não enregelarem. As charcas resultantes das últimas chuvadas estavam com gelo de um centímetro de espessura, o que os obrigava a patinar, e a estatelarem-se de seguida, animando a jornada. Nem o canto dos pássaros se fazia ouvir.
O meu bafo condensava de imediato, como se tivesse retomado hábitos antigos de fumar. Deu-me na fraqueza e tive uma vontade louca de fumar um cigarrinho para aquecer as mãos e a alma. Ainda bem que não havia ninguém em redor a quem pudesse recorrer, permitindo-me regressar ao meu juizinho habitual.
Quando comecei a fumar, muito jovem ainda, às escondidas dos meus pais, por mais de uma vez tive que meter a mão com o cigarro a arder no bolso, para não ser apanhado em flagrante delito. Agora teria dado imenso jeito.
Lembro-me, também, de ter visto homens e mulheres do campo com perneiras de jornais velhos para se protegerem das friezas matinais, nos trabalhos do campo. Era talvez a única serventia que esse “papel sujo” tinha, pois a maioria não conhecia uma letra do tamanho dum chaparro. Às vezes tinha uma segunda utilidade, que alguns ainda hoje lhe dão, embora por razões diferentes.
De volta ao conforto da casa com o lume aceso, penso como será doloroso para muitos portugueses, o frio que agora se faz sentir, sem os meios adequados, nem dinheiro para os adquirir, para minorar os seus efeitos tão gravosos para as crianças e idosos.
Jesus, na sua ingénua mas santa sabedoria, soube escolher um burro e uma vaquinha para o aquecerem.
Nós, na nossa pérfida mas santa ignorância, comemos a vaquinha e pusemos o burro no poleiro.

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