segunda-feira, março 16, 2009

Os pequenos artistas e industriais da mancarra

Imagem daqui
Hoje, fiz uma coisa que há anos, não sei quantos, não fazia: engraxar os sapatos num engraxador. Em Évora.
Este, está ali faz muitos anos. Na Praça do Geraldo, ao lado do Plackard que dá conhecimento dos conterrâneos mortos diariamente. Zona de bancos e bancários que têm que ter os sapatos a brilhar para impressionar os clientes pelo menos na mesma medida em que os juros dos empréstimos o vão fazendo.
Fez-me lembrar outros tempos, outros climas, outras gentes.
Nas poucas vezes que vinha a Bissau e ia beber uma cerveja, ao fim da tarde, numa esplanada que havia no final da avenida principal, de que já não sei nomes, era um corrupio de miudagem perguntando se queria engraxar as botas por um “peso”. O mesmo preço para uma medida de mancarra, que despejavam em cima da mesa e que ajudava a beber mais umas cervejolas.
Juntavam-se ali militares que prestavam serviço em Bissau e ainda aqueles que, como eu, ali vinham fazer um intervalo curto nas práticas de guerra ou tratar de assuntos de serviço ou de saúde.
Um dos frequentadores mais assíduos daquele espaço vespertino era um médico de Marinha, na altura chefiando os serviços de saúde da Marinha na Guiné, homem que tinha uma forma peculiar de estar na vida e de falar, arrastando as palavras e enfatizando-as com gestos largos.
Ele tinha uma verdadeira antipatia por estes miúdos, por vezes chatos, mas que não faziam mais do que tentar arranjar uns cobres, como meio de sustento para si e seus familiares.
Ele gramava-os todos os dias ao passo que eu só muito raramente. Talvez por isso, lhes dava verdadeiras corridas em osso e, quando a eles se referia, era sempre com este epíteto, na sua voz arrastada e martelando bem as sílabas – “…estes pequenos artistas e industriais da mancarra… “

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2 Comments:

Blogger Luís Alves de Fraga said...

Curiosa a forma como esse médico via a luta pela sobrevivência! Seria por estar afastado dos centros onde pudesse ele ser um grande artista e industrial da saúde?
Afinal, o colonialismo estava (e está) mais dentro de nós do que nas instituições que o determinavam!

17/3/09 18:58  
Blogger platero said...

o "graxa" da Praça do Giraldo é meu velho amigo Lisboa
conhecemo-nos do princípio do mundo, talvez de quando eu ainda achava importante brilhar em qualquer coisa. Nem que fosse nos sapatos.
temos em comum sermos adeptos de um Club frouxo como nós: o glorioso
Belenenses.

18/3/09 19:10  

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