segunda-feira, março 30, 2009

Aprumo

Nem sequer é pessoa por quem eu morra de amores.
Como militar, embora nunca tendo trabalhado directamente com ele, não deixo de lhe reconhecer méritos, sobretudo na defesa dos princípios ético-profissionais.
O seu envolvimento no processo revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril, mostrou as dificuldades de adaptação a outros códigos que não os da família militar em que sempre se movimentara, demarcando-se claramente, no entanto, de trilhos percorridos à esquerda e à direita por camaradas seus, tendo a sua participação no 25 de Novembro sido determinante no restauro dos princípios da Revolução dos Cravos.
Mais tarde, terá aceitado a difícil tarefa de se tornar o 1º Presidente da República eleito no pós 25 de Abril, garantindo estabilidade ao processo democrático com a sua obstinação pelo cumprimento rigoroso da Constituição.
No final do seu segundo mandato, terá cometido o único desvio de conduta ao dar forma a um projecto político, criando o Partido Renovador Democrático, que colidia com as forças políticas instaladas, que lhe moveram guerra total e o fizeram retomar a pacatez de uma retirada destas lides, onde de facto não se sentia muito à vontade.
Mas, porquê este redesenhar duma figura bem conhecida do meio castrense e dos mentideros da política caseira?
A resposta vem duma crónica publicada na Revista Tempo Livre, por Fernando Dacosta, sob o título “Seres Decentes”, onde é feito o relato, muito pouco ou nada conhecido, duma ocorrência, tipo armadilha, verificada durante o seu segundo mandato como Presidente.
O Governo ter-lhe-á apresentado uma lei especialmente congeminada contra si, que o impedia de acumular o vencimento de PR com quaisquer pensões de reforma ou sobrevivência de que viesse a ter direito.
De imediato a assinou, embora achando-a discriminatória e injusta, passando a receber unicamente o vencimento devido pela função que desempenhava.
Entretanto resolveu colocar a questão em Tribunal que, muito recentemente segundo a crónica de Dacosta, se pronunciou a seu favor tendo como consequência decidido o reembolso, com efeitos rectroactivos, das importâncias que lhe eram devidas, no valor de um milhão e trezentos mil euros, que da mesma forma como assinara a Lei também agora, sem hesitar, prescindiu deste benefício, congratulando-se apenas com o facto de lhe ter sido feita justiça.
Comenta depois Dacosta, que Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados”.
Ressalta ainda o cronista o facto do General já haver recusado o bastão de Marechal, guindando-o a um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos.
Eu resumiria dizendo que o General Ramalho Eanes manteve o aprumo por dentro ao nível do que já lhe conhecíamos por fora.

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1 Comments:

Blogger Luís Alves de Fraga said...

Ramalho Eanes é, acima de tudo, um homem coerente. De uma coerência que se não coaduna com os zig-zags comportamentais dos políticos ou, pelo menos, dos políticos da actualidade portuguesa.
Cumprimento-o por ter trazido ao seu blog o conhecimento deste facto.

1/4/09 23:08  

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