segunda-feira, setembro 29, 2008

Ironias do destino ou talvez não


Convidado por amigos a ir à pesca a uma pequena albufeira cheia de achigãs, como há muito tempo não existe na maior parte delas, incluindo o Grande Lago, nome pelo qual é conhecida a Barragem do Alqueva, ali fui encontrar um antigo grumete da Briosa, que fez questão em referi-lo e que desempenha funções de guarda dos recursos cinegéticos e piscícolas na propriedade onde a mesma se situa.
Palavra puxa palavra e lá fomos descobrindo alguns pontos de contacto e de apreço comum, como os navios e a Guiné.
O nosso grumete electricista só conheceu a Guiné depois da Independência, mas por lá deixou conhecimentos e amizades que lhe têm ajudado a ultrapassar algumas dificuldades que a vida lhe foi colocando.
Assim, representou uma empresa de exploração de caça naquele país que lhe permitiu, em determinada altura, suprir algumas carências financeiras motivadas por doença dum filho, dirigindo para lá um número apreciável de caçadores.
À sombra dum sobreiro e em volta duma mesa improvisada, onde não faltavam os queijos secos de ovelha, rodelas de painho de porco preto de Estremoz e um bom casqueiro alentejano, além duma pinga caseira da região de Abrantes, lá fomos descobrindo no seu notebook, as maravilhas das caçadas e pescarias naquela ex-colónia portuguesa, que eu tão bem conheci, noutro”tipo de caçadas”.
As rolas aos milhares, as chocas, os patos ferrões e gansos a par de javalis e cabritos do mato, foram saindo do meu imaginário de há quase quarenta anos, ao mesmo tempo que uma tremenda nostalgia, ou mesmo saudade, me ia invadindo.
Consegui reproduzir os cheiros da terra prenhe de matéria orgânica em decomposição, que durante meses me encheram as narinas, ao entrar nas bolanhas sombrias e húmidas.
Os morcegos, enormes, cruzando o ar em todas as direcções, aliviando-nos das mordidelas dos mosquitos carnívoros, capazes de enfiar a sua seringa impiedosa através do denim dos camuflados, sugando-nos até à alma.
As lontras, os lagartos de água, tipo iguana, de que me não lembro do nome e que se atiravam do alto do tarrafo esparramando-se na água, quase em cima dos botes. Os hipopótamos, que mais temíamos do que os crocodilos e que nos fechavam por vezes o caminho nos esteiros estreitos das margens do Cacheu.
Toda essa fauna virou agora hipótese de negócio e pólo de desenvolvimento local, através do turismo cinegético ou piscatório. Em passeios, jornadas de caça e pesca, com descontos sensíveis para ex-combatentes, sozinhos ou em grupo, ficou-me a vontade de um dia lá voltar e fechar um capítulo da minha vida que ficou em aberto.
A caça, por ironia do destino, é capaz de me fazer voltar à Guiné um dia, para rever e cheirar a terra que fez de mim herói e vilão.
Um obrigado ao “filho d’outra escola”, que me abriu essa escotilha.

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