domingo, junho 22, 2008

Os Santos Populares

Uma das características da idade avançada é a possibilidade de fazer mergulhos na memória e análises de déjà vu.
Os santos ditos populares, já não o são. Comer uma sardinha assada é quase uma dádiva divina, dada a escassez e o preço. Balões de S.João só na nossa imaginação, já que só se conseguem encontrar aqueles de plástico com feitios de peixes, cisnes e outros desencantos, cheios a hidrogénio e que fogem da mão das criancinhas, como o diabo da cruz.
Pular a fogueira, só se for da que nos arde na carteira, pois até a que ardia no peito se foi apagando no tempo, estando agora em fase de rescaldo.
Embora nunca tenha sido grande entusiasta de festejos obrigatórios, reconheço que os havia para quem tivesse a disposição e o desejo.
Hoje cheira tudo um pouco a enlatado, incluindo a Feira dita de S.João, mas que na verdade serve para festejar o S.Pedro, feriado municipal do Concelho de Évora.
Nesta altura, vinha o pessoal dos campos à cidade com a sua melhor roupa domingueira ou a estrear, as meninas sempre sob o olhar protector da mãe-galinha, os rapazes entregues a si mesmos num banho de cidade, que só se repetiria muito provavelmente no ano seguinte ou quando viessem às sortes.
Feirar, significava ir à feira e fazer umas compritas, poucas e baratas, mas que dessem nas vistas ou fossem úteis.
A malandragem citadina, debaixo dos arcos, metia-se com as raparigas e com as mães com ditos do tipo “Oh Tizinha, quer vender a franganinha?”
A maior parte das vezes era preciso fugir dos guarda-chuvas que também eram usados como arma de arremesso ou como guarda-sóis por esta gente avisada, que apesar de viver a maior da sua vida ao sol, sabia bem o que era sofrer-lhe as consequências, nestas tardes de canícula.
Hoje já não há gente nos campos e a da cidade não tem alma. Vive na torpeza do dia a dia, no desencanto do faz de conta, na imitação dos heróis do pequeno ecran, que lhe entram pela porta dentro sem serem convidados e lhe impõe costumes, gostos e comportamentos estranhos.
A inocência perdida, não impõe a perda da dignidade e essa, apesar do esforço de destruição que sobre ela se exerce, julgo que ainda se mantém, não digo incólume ou impoluta, mas a nível aceitável, como referência que ainda o é desta gente que teima em querer festejar os já cansados e gastos santos populares.

S.António já se mandou
S.João está-se a mandar
S.Pedro já se pirou
Não sei onde os encontrar

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