quinta-feira, março 27, 2008

Pancadinhas de Molière


O que as pessoas já fizeram ao longo duma vida é impressionante.
Por ser dia de se falar e lembrar o Teatro, fui buscar ao baú um monte de recordações desses tempos de descoberta e aventura, em que o experimentar me levou, por exemplo, até ao teatro. Pelo lado de dentro.
Participei desde muito novo em actividades de animação escolares, com declamações e cantares. Com cerca de dez anos, fui levado a participar numa peça de teatro no Seminário Maior de Évora, desempenhando o papel de anjinho, presumo que por ter uma “voz angelical”, papel esse que nunca mais deixei de interpretar ao longo da vida.
Não faço ideia qual o teor da dita nem quem era o seu autor. Palpita-me ter sido uma daquelas historietas de evangelização, concebida para eternizar o fogo do inferno, nas almas ímpias ou menos piedosas.
Mais tarde e já no liceu, participei com papeis muchurucas na peça “O Morgado de Fafe em Lisboa”, de Camilo Castelo Branco e no “Auto do Fidalgo Aprendiz” de Francisco Manuel de Melo e, por último, como figura de “primeiríssimo plano”, desempenhei o papel d’El Rei Sebastião, na peça do mesmo nome de José Régio.
É curioso como naquelas idades é possível pisar um palco sem estremecer para além do aceitável, claro. Hoje só de pensar nisso, não seguro a barriga das pernas.
Já depois do 25 de Abril, como representante e em nome dos clubes de Oficiais, Sargentos e Praças da Armada, tive que ler umas palavras de circunstância que havia preparado previamente, no palco do Coliseu dos Recreios. O nervosismo atacou-me de tal maneira, que acabei por ter que fazer um discurso de improviso, pois que o papel onde assentara as minhas notas saltava de tal modo nas minhas mãos, que não tinha como lê-lo.
Toda a nossa vida é feita de representações mais ou menos conseguidas, de plateias maiores ou menores, de luzes da ribalta mais ou menos brilhantes, de aplausos ou apupos, até que o pano baixe de vez.

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