terça-feira, outubro 02, 2007

O Voo da Morte

As primeiras águas outonais, as primeiras formigas de asa, cheias de memórias da minha infância.
Curiosamente, tendo vivido até aos dezassete anos sempre no Alentejo, é junto da grande cidade, em Lisboa, que tenho contactos mais chegados com as formigas de asa. Na Charneca do Lumiar, onde passava uma parte substancial das minhas férias de Verão, em casa duns tios, fiz amizade com a rapaziada dali, que passou a deixar-me participar nas suas brincadeiras e na forma de suprir algumas das necessidades porque alguns passavam.
Os meus tios bem que tentaram que não me desse com alguns que consideravam más reses, mas sempre os iludi nesse aspecto, juntando-me com eles, à socapa, para irmos aos figos, às uvas, aos pássaros ou jogar à bola.
E foi numa destas dos pássaros, que tomei contacto com as formigas de asa, mais ou menos nos finais de Setembro, após as primeiras chuvas.
Enchemos um frasco com as ditas, agarrámos nas “ratoeiras”, que eu conhecia por armadilhas para pássaros, mas que em boa verdade também eram usadas para apanhar os roedores.
Estas armadilhas eram construídas sobre uma raquete de madeira, onde se fixava uma estrutura metálica dobrada com uma mola que a distendia, quando armada.
Um arame segurava-a nessa posição, de forma instável, susceptível de disparar a qualquer mexida, fechando-se sobre a vítima, no caso, os passarinhos.
A ratoeira era tapada com uma fina camada de areia, numa zona previamente limpa de ervas, onde fosse fácil aos pássaros verem, do ar, a formiga de asa que era colocada no tal arame que fechava a armadilha. Escusado será dizer que a única coisa visível era mesmo a formiga de asa, vivinha da silva, mexendo-se sobre a areia, excitando os seus ingénuos predadores.
Normalmente, íamos armar nas quintas das redondezas, junto da antiga estrada militar, que passava pelo Forte da Ameixoeira e seguia depois para a Calçada de Carriche.
A espera raramente era prolongada porque os passarinhos estavam permanentemente a cair na esparrela que lhes fora montada.
Não sou capaz de os enumerar por espécies, mas sei que os havia grandes, médios e pequenos.
Já vinham de lá depenados e iam enriquecer a dieta fraca de alguns desses meus amigos.
Não me orgulho do que fazia, mas não me recrimino pelo que fiz.
Havia um certo equilíbrio na Natureza, entretanto desfeito pela poluição, pelo uso indiscriminado de pesticidas e pelo abandono a que as terras foram votadas. A agricultura garantia a sobrevivência de muitas espécies que se mudaram ou sucumbiram.
A vida é muitas vezes construída sobre a morte.
Falou-se aqui da morte duns quantos pássaros, mas ficou esquecida a morte de milhares de formigas de asa que cumprem um desígnio da Natureza, que lhes põe asas para as levar para longe do seu formigueiro, em busca de novos horizontes, a que muito poucas sobrevivem.
Também um dia me puseram asas para poder voar para bem longe do sítio em que nasci, onde alonguei o olhar e descobri maravilhas, que hoje tento recordar e partilhar.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

caro Z�

tudo bem?
confirmando o que tenho dito sobre qualidade de blogs, entre em "portugalnet" e, a� em "o melhor amigo". Perde-se como eu.

tamb�m gostei do su voo com as formigas de asa.

abra�o

2/10/07 22:57  

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