sábado, junho 23, 2007

Feira de S.João

Esperávamos ansiosamente que chegasse a Feira de S.João, com os seus carrocéis, circos, o poço da morte e carrinhos de choque.
Depois começaram a aparecer uns aparatos que todos os anos mudavam que, numa linguagem actual, eram mais radicais, mas que não tinham a nossa preferência. Eram as cadeiras rolantes, montadas num estrado inclinado, cadeiras voadoras penduradas por correntes numa roda horizontal e que abriam como as varetas dum guarda-chuva quando a velocidade aumentava ou, ainda, aviões montados em tirantes articulados que subiam e desciam em saltos capazes de fazer saltar as entranhas pela boca aos mais incautos e, como no poço da morte, paredes onde nos encostávamos e a que ficávamos agarrados quando rodavam a alta velocidade, sendo-nos retirado o chão onde assentávamos os pés, por desnecessário.
Tudo isso era para experimentar uma vez e bastava.
Os carrocéis permitiam práticas que, embora proibidas, faziam a nossa alegria. Era entrar e sair com ele em andamento, ao jeito dos empregados que recebiam as senhas ou o dinheiro. Umas vezes de frente, outras de costas para os mais afoitos. Era preciso esperar que os empregados estivessem entretidos com o receber as senhas, para o poder fazer. Havia quem aproveitasse para dar umas voltas de borla.
Nos carrinhos de choque, aqueles que ainda hoje existem, "trolley cars", era divertido andar de marcha atrás, tentando não chocar com os outros, o que requeria perícia extrema. Também, por outro lado, permitiam massacrar as “belezas” que por lá se arriscavam, com choques monumentais que a testerona e a vaidade impunham.
E o circo?! A magia do circo?!
Os trapezistas e os equilibristas faziam secar a boca de emoção. Os saltadores e ginastas de tapete apresentados como artistas internacionais, às vezes com nomes estrangeiros, embora falando o português da Baixa da Banheira, encantavam com a sua destreza e arrojo. As parelhas de palhaços falando portunhol, com as suas gargalhadas estrepitosas, tropeçando nos sapatos enormes de sola levantada, com quedas aparatosas e bofetadas a fazer de conta. O palhaço rico com a sua cara de branco empoeirada, o seu fato brilhante de lantejoulas, o seu chapéu alto, cónico, contrastando com o palhaço pobre de meias às riscas e com pelos de cinco centímetros nas pernas, calças arregaçadas aos quadrados e casaco pendilhão às listas ou vice-versa, penca encarnada e cabelo azul, verde ou amarelo, com chapéu roto e um girassol na lapela. Como me ria com as suas trapalhices e com as suas músicas alegres e bem dispostas com que sempre terminavam as suas actuações.
Era também a altura de estrear uma roupinha.
Os dinheiros eram curtos e sempre tinham que se fazer algumas “habilidades” em casa, no porta moedas das irmãs ou da mãe. Coisa pouca, mas que às vezes era notada e dava direito a umas ripadas do pai. Lá calhava.
Adorava comer um bocado de torrão de Alicante. Havia duro e mole. Preferia o duro, porque durava mais tempo a comer. No final, ficava todo lambuzado do açúcar e cheio de sede, mas feliz.
A satisfação dos pequenos prazeres faz sempre esquecer os problemas maiores, que me esperavam ao chegar a casa cheio de nódoas na tal roupinha nova, a estrear.
Não é ainda assim hoje com a política? Um torrãozinho de Alicante para adoçar a boca e esperem-lhe pela penada!

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