domingo, maio 13, 2007

A Redescoberta da Linguagem do Marujo

Todas as profissões têm uma linguagem própria, ou, no mínimo, alguns termos característicos, que a distinguem das demais.
A linguagem do marinheiro é, eu diria, hermética. É, praticamente, um dialecto que não só o distingue, como o identifica.
Porquê assim tão diferente? Não sei bem, mas julgo que se trata de uma forma de selecção natural.
A vida a bordo dos navios, sobretudo os de vela, não era fácil de todo. Tanto assim, que começou por ser imposta.
Os navios não tinham grandes condições de habitabilidade.
Embora rodeados de água, não era fácil garantir água potável em quantidades necessárias e suficientes para a sua tripulação(guarnição).
A higiene a bordo não era das coisas mais importantes, tendo em conta a sobrevivência. Sobrevivência em termos de mar – tempestades, orientação – em termos de luta contra piratas e inimigos, em termos de doenças provocadas pelos alimentos ou sua escassez, pela contaminação da água, por parasitas e pestes.
As longas permanências no mar, nessas condições, originavam doenças do foro psicológico, que terminavam muitas vezes em lutas e mortes a bordo.
Com mau tempo havia que chamar as coisas pelos nomes, para que não houvesse enganos funestos.
A aprendizagem era longa e severa. A linguagem acompanhava-a, indicando claramente o nível em que o aprendiz se encontrava.
Os sinais de apito acompanhavam muitas vezes as ordens verbais por se fazerem ouvir melhor, sobretudo em navios grandes ou em situações de tormenta.
Os cabos (cordas) a bordo, a navegar, tinham mais valor do que o oiro que para nada serviria, se o navio não chegasse a bom porto.
Cada um recebia designações diferenciadas de acordo com o uso que lhe era dado. Só aí, a linguagem do marujo enriqueceu o dicionário linguístico com um sem número de nomes.
Só para que conste e enfatizando esta última afirmação, apresentam-se a seguir algumas designações de gacheta, que é um entrançado de cabo, com várias aplicações a bordo:
- coberta, de cus- de- porco, de duas faces ou fluvial, de espinha, de impunidouro ou cadeia de impunidouro, de meia cana, de meias voltas, de nós direitos, de nós tortos, de nove, de nozinhos, de pato ou cadeia dobrada (francesa dobrada), de quatro faces, de rabo de raposa, de rabo de cavalo, de quatro faces dum cordão ou quadrada, de tear, de três faces, de volta da ribeira, espalmada ou simples de quatro, francesa, plana inglesa, plana ordinária ou portuguesa, prismática, redonda, rectangular, Sagres, e simples de três. (In Linguagem do marinheiro do C.te Marques Esparteiro)
Não sei qual a necessidade duma tão grande variedade de nomes, de que hoje só a memória resta para muitos deles.
Mas é isso, resta a memória, coisa que vai faltando para a maioria do que hoje se fabrica, se faz e, sobretudo, se promete.
O vento já não faz andar navios, antes lhes retarda a marcha.
Mas nada abranda os ventos da História.

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