segunda-feira, maio 14, 2007

Pequenos prazeres em declínio

Primeiro foi a caça. Agora é a pesca.
Se acreditasse em coisas do outro mundo, diria que todas as forças do mal se juntaram para fazer da minha velhice e situação de reforma uma chatice, retirando-me os “hobbies” de que mais gosto.
A caça é uma prática mágica, que descobri ainda de tenra idade, quando acompanhava o meu pai, pela campina alentejana, que assim aprendi a amar.
Começava invariavelmente pela escolha do local. As suas características de acesso, de abertura de vistas, a capacidade que tinha de oferecer boas perspectivas de encontro com as espécies, quer se tratasse de rolas, de perdizes, coelhos, lebres ou codornizes, de pombos torquazes ou patos. Mais tarde de tordos também.
Cada uma destas espécies cinegéticas buscava terrenos próprios, que era preciso conhecer ou descobrir. Necessário se tornava deles guardar segredo, para que as nossas jornadas se tornassem merecedoras de respeito e cobiça.
Havia que carregar cartuchos, inicialmente de cartão, que tinham que dar pelo menos dois tiros. Recalibrá-los depois do primeiro tiro, era obrigatório, para que continuassem a caber na câmara de explosão e se soltassem facilmente ao abrir as espingardas de canos laterais, não originando encravanços capazes de comprometer a jornada.
Era tarefa de importância, que o meu pai guardava para si, assim como dosear a pólvora e o chumbo. As outras de escorvar, pôr buchas e rebordar cartuchos, tocavam-me a mim, no Verão e de férias, que odiava, talvez, por isso. Obrigavam-me a ficar noites inteiras em casa, a alinhar cartuchos como se fossem exércitos, prontos para a guerra, que só se iniciaria em meados de Agosto.
A recompensa aparecia mais tarde, com o cheiro dos junquilhos pisados, das estevas ao romper do dia, da ansiedade da espera ou do sobressalto da caça ao sair. Depois o tiro, a recompensa ou talvez não.
Os cães buscando, o parar da caça. Um espectáculo de elegância e de perícia. Uma beleza para os olhos.
Tudo isto se foi perdendo, com o passar dos tempos. As motorizadas primeiro. As carrinhas de nove lugares depois. Mais recentemente os todo-o-terreno, desbravando montes e vales, matas e pauis, retirando escapatória à caça. A falta de terrenos de cultivo para a alimentar, a melhoria das espingardas e pólvoras, o número de praticantes, a falta de civismo e de fiscalização, tudo contribuiu a pouco e pouco ou a muito e muito, como se queira, para o seu extermínio.
O designado ordenamento da actividade cinegética, mais não retrata do que a incapacidade para trazer de volta, os perdidos tempos de prazer desta prática, a que não chamo desportiva, mas de contacto com a natureza e de combate ao marasmo da vida quotidiana.
Também ela não tem escapatória!
Porque caçar é muito mais do que ter caça para atirar e matar. Não se faz isso no quintal! Não é ordenável!
(A continuar)

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

patrão - pescaria em cheio?
eu tive dia atribulado com última aula em Évora.
Já me despedi formalmente.

Abraço

16/5/07 22:51  
Blogger JR said...

A pesca está como a caça.
Pouca e "biquera"!
Mas como tudo na vida é preciso é calma!
Um abraço

17/5/07 12:58  

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