sexta-feira, abril 27, 2007

Lagarto pintado

Zé Pintas tem cinco ou seis anos, mas é alto e forte para a idade. Um moçoilo que mais parece ter nove ou dez anos. Tem o rosto sarapintado e o cabelo áspero e avermelhado. Gosta de ajudar nas lides do campo. Não que precise. Os pais têm vida folgada, dando de partes algumas das suas fazendas a uns quantos rendeiros. Ficaram apenas com duas que exploram directamente. Um lameiro bem distante quase uma légua do povoado e outra mesmo chegada. O povo, situado no alto duma fraga como se fora um castelo, domina a planura que se estende até à fronteira, verdadeira atalaia. As casas coladas umas às outras como ameias, serviram em tempos de refúgio e defesa contra invasores e assaltantes castelhanos. Zé Pintas, tanto implorou ao pai que o deixasse levar os quatro cântaros com a água até ao lameiro que, este, entre orgulhoso e apreensivo, acedeu. Era preciso incentivar esta iniciativa do rapaz. Lá colocaram as vasilhas no Russano, burro com a mesma idade do Zé Pintas, e ambos se fizeram ao caminho. A água dos cântaros servia para as ovelhas beberem e no regresso os cântaros vinham cheios com o leite que o pastor recolhia das paridas. Zé Pintas trazia o burrito pela corda, estrada fora, muito compenetrado da sua tarefa. Foram decorrendo os dias por essa Primavera fora em que se cumpria a rotina sem qualquer embaraço. A mãe, babada, passou a dar-lhe dois tostões por cada jornada de ida e volta. Já o Verão tinha entrado quando, numa manhã ensolarada, o nosso Zé Pintas vê saltar à sua frente um lagarto, como ele pintado, que lhe cruzou a marcha várias vezes entre os muretes de pedra solta que compunham as bermas da estrada de carreta. O Russano ergueu as orelhas, não tanto pelo lagarto, mas mais pelos gritos de aflição do Zé que, assustado, não sabia mais que fazer à sua vida. O lagarto, melhor o dragão, deveria estar a preparar-se para lhe tolher o passo e impedir que cumprisse a sua missão de levar a água às ovelhas que já o esperavam. O burrito impacientou-se com tanto alarido e quase levava o Zé de reboque, obrigando-o a largar a corda, seguindo a trilha conhecida, quedando-se o Zé em pranto. O lagarto pareceu também surpreendido e ficou parado à sua frente, cabeça no ar. O Zé Pintas, ajoelhou-se e estendeu as duas mãos para o bicho com os dois tostões que a mãe lhe dera e com as lágrimas a empaparem-lhe a voz, implorou: - lagartinho deixa-me passar que eu dou-te dois tostões.

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2 Comments:

Blogger terras do alentejo said...

Lindo...

1/5/07 19:09  
Blogger Bolinha said...

É SÓ love

4/5/07 21:31  

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