domingo, abril 08, 2007

Enganos Fatais

Entre as heranças do meu antecessor, contava-se uma macaca-cão que, coitada, estava em vias de prestar contas ao criador, sofrendo de doença, que se pensava incurável: alcoolismo crónico compulsivo.
Não me lembro do seu nome, mas chamar-lhe-ei “Fuza”.
Por brincadeiras de mau gosto, havia-lhe sido incutido esse vício, que ela afogava em cerveja de exportação, ao nível de qualquer “fuzo” que se prezasse. Só que o seu volume corporal impunha trabalho excessivo ao fígado, não sendo, este, capaz de metabolizar tamanha quantidade de álcool.
A primeira medida preconizada foi o seu desmame, que foi feito de forma progressiva por substituição da cerveja por refrigerante.
O seu organismo ansiava por álcool e mais do que uma vez roubou uma cerveja da mão de um qualquer descuidado que inadvertidamente dela se aproximou com uma “botella”.
Foi-lhe arranjado um tutor, que se responsabilizou por levar a tarefa a preceito.
Assim, ao fim de algum tempo, as suas crises de fígado abrandaram e começou a ter uma existência, quase normal.
O seu tratador levava-a a passear na “lambreta” que comprara a cair de podre, recuperara e que sempre o acompanhou ao longo de toda a comissão. A Fuza ia presa ao guiador, porque era agressiva para os africanos, muito provavelmente por ensino que recebera.
Um dia, soltou-se da lambreta e foi um pandemónio na praia, obrigando toda a gente a procurar refúgio dentro de água, comprazendo-se em não deixar que ninguém dela saísse.
Percebi mais tarde, que fora treinada como sentinela do perímetro do aquartelamento, correndo-o ao longo dum arame esticado. Perto do posto do homem de serviço, situava-se a sua casota. Sempre que alguém estranho se aproximava, ela de imediato se dava conta, alertando-o com a sua agitação e gritaria.
Um certo dia, um soldado da Companhia do Exército que também se acantonava nas imediações, foi visitar um "filho da terra", levando ao ombro um “sagui”, que não devia pesar mais de 50 gramas.
Ao passar junto à casota da Fuza, esta, num verdadeiro “golpe de mão à fuzileiro” logo lho arrebatou do ombro e com ele se enfiou na sua casota, afagando-o e apertando-o contra o peito, num acesso de ternura e protecção maternais.
Não deixou que ninguém dela se aproximasse, nem mesmo o seu tratador e tutor, que sempre respeitara e a quem ficara a dever a sua recuperação.
Não mais comeu.
Ao fim de oito dias, em perfeito estado de exaustão, quedaram-se os dois lado a lado.
O pequeno macaco, uma massa informe e ressequida.
Ela não mais recuperou, pagando o preço mais elevado pelo seu instinto nunca cumprido.

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2 Comments:

Blogger Bolinha said...

Correndo o risco de me repetir , isto dava um livro de histórias ainda por cima verdadeiras, bêjo

9/4/07 21:21  
Blogger JR said...

Os livros são para os escritores, as histórias para os contadores.
Eu sou só um mísero contador.
A blogosfera está cheia de gente a contar histórias muito bem.

9/4/07 22:30  

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