sábado, fevereiro 17, 2007

E o Lambão adormeceu...

A propósito duma referência feita num artigo publicado por um amigo num periódico regional, onde faz crónicas frequentes, de uma acutilância e sarcasmo inimitáveis, lembrei-me de uma cena passada a bordo da Sagres numa viagem de instrução de cadetes.
A referência a que aludi e passo a citar - “Deixe de lamber os dedos quando dá as cartas!” – fazia nota à prática corrente ao dar as cartas na bisca lambida ou na sueca, por parte de uma boa parte dos jogadores destas modalidades, muito ligadas à ruralidade e a estratos sociais menos favorecidos.
E isso devia-se, essencialmente, ao muito uso que as cartas tinham, que dificultavam o deslizar umas sobre as outras para a contagem correcta. Impunham portanto uma forma de colagem do dedo à carta, conseguida através do cuspinho no dito antes de cada contagem, de dez, no caso da sueca.
Mais cuspo...mais cola, num nunca mais acabar, a não ser quando as pintas nelas se não adivinhavam já.
Pois bem, dada a explicação prévia da referência, tentarei passar à estória que me propuz transpor para este fórum, relacionada com uma magnífica viagem no Navio Escola Sagres, já lá vão uns anitos passados.
Viagem longa à vela, nem sempre à bolina como este blogue poderia sugerir. As calmas tropicais, a necessidade de entreter trezentos jovens a bordo, sem “boites” (leia-se discotecas), sem televisão, sem videogames (leia-se jogos de vídeo), sem salões de 1ª classe com variedades, sem salas de cinema nem tão pouco uma máquina de projectar, mas com um Capelão Militar a bordo, esforçado e directamente importado duma aldeia qualquer serrana, onde lamber quereria dizer comer tudo e não apenas deitar algum cuspo no dedo para dar cartas.
À falta de melhor, aos domingos, depois da missa campal que não deixava de ministrar, organizava jogos entre cadetes e membros da guarnição do navio, mais tarde imitados pelos Jogos Sem Fronteiras, como corridas de sacos, corridas com uma batata na colher, divertidos devido ao balanço do navio que dificultava os participantes. Outros havia de que já não tenho memória. Nas noites serenas, sem vento nem balanço, o nosso amigo capelão arranjava sessões de slides, com historietas tiradas das colecções da Disney ou das aulas de catequese da paróquia onde certamente seria um padre cura de mão cheia, que legendava com voz sonante, a que não faltava o “xibilar” de origem.
Mas a bordo da Sagres, com um carrego de trezentos jovens oriundos na sua maioria de grandes centros urbanos, alguns de cultura acima da média, com malandrice que chegava para carregar um TIR, falar da história dos três porquinhos e do Lobo Lambão (leia-se que tudo comia)?
- Tenha paciência Capelão!
- Caia na real, bom homem de Deus!
- Devia ter passado era uns slides de gajas nuas, com ou sem lambão!

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1 Comments:

Blogger Bolinha said...

Vida dificil a dos marinheiros...

17/2/07 23:57  

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