sábado, janeiro 13, 2007

De luva branca

Numa ida a Moçambique em 1993, em equipa de auditoria, eu e a minha companheira economista, caímos inadvertidamente num restaurante de luxo, próximo do Hotel Polana, onde nos hospedávamos.
Fomos recebidos por um criado vestido de libré, que nos serviu, ainda no hall, uma taça de D.Perignon.
Não adiantou recusar. De seguida aparece-nos um jovem português de traje informal, mas de bom gosto, que como gerente teria imenso gosto em nos mostrar o restaurante, referiu. Disse pertencer o mesmo à esposa do Presidente Chissano, que era utilizado por homens de negócios, especialmente alemães, e cuja receita era destinada às obras de caridade da Primeira Dama.
As salas de refeições estavam decoradas em estilo Vitoriano, cada uma de sua cor, em que os cor-de-rosa velhos, os azuis-turqueza, os verdes secos e os beje imperavam, com lustres, apliques e grandes espelhos dourados nas paredes que lhes davam dimensão irreal.
Uma era a sala Maputo, outra a sala Nacala, uma terceira a sala Beira, a sala Sofala, etc. Não havia um único cliente. Era hora de almoço e não foi fácil descartarmo-nos. Acabámos na sala Nampula sentados numa mesa para quatro, com toalha de linho duma alvura imaculada, com faiança inglesa antiga, copos de cristal e talheres de Christoffle.
O cardápio obrigava a falar francês e a pagar em dólares. Lá escolhemos, obviamente, o prato que conciliava as duas linguagens em questão. Um “fillet mignon” com um acompanhamento qualquer. Para beber um Dão tinto, que era o único vinho português e também o mais barato.
Esperámos cerca de meia-hora até que o nosso criado de libré e luva branca empoleirado no seu metro e noventa de altura, trouxesse numa mão dum tamanho descomunal, em bandeja de prata, dois pratos tapados por campânulas de casquinha. Rodopiou mostrando a bandeja, como num espectáculo de magia antes de tirar os coelhos da cartola e pousou-a na mesa, entre nós.
Preocupado com as horas e com o estômago já a queixar-se também, preparava-me para retirar a câmpanula do meu prato, quando senti uma tremenda duma palmada na mão, de luva branca, duma potência perfeitamente de acordo com o seu tamanho, que estalou como se tivesse caído da altura do tecto, ao mesmo tempo que um olhar, não só reprovador mas também ameaçador, e um “espéra pá”, me fez parar o gesto e assistir ao espectáculo ensaiado não sei quantas vezes e, provavelmente nunca praticado, de retirar em simultâneo as duas campânulas, escapando-se delas o vapor em duas bolas que se elevaram e desfizeram no ar.
A cara da minha companheira espelhava um misto de riso contido, espanto total e medo quanto baste, visível, este, no tremelicar das mãos quando pegou nos talheres para começar a comer.
Terminado o repasto, paga a dolorosa em dólares mais do que seria aceitável, apeteceu-me pedir que discriminassem o custo em dólares de cada palmada nas mãos e nas carteiras dos clientes.
Para obras de caridade, é claro!