sábado, dezembro 02, 2006

Viagens Salgadas (9)

Por fim, o São Gabriel. Noites de paquete. Nunca antes havia experimentado tamanha calmaria em termos de balanço. Como é bom navegar. Aqui sim, aqui sinto-me marujo a corpo e tempo inteiros. Primeiro o “PAB”, depois o “Contex”, por fim o “Open Gate”, expoente máximo da minha carreira operacional, com termos esquisitíssimos que aprendi num curso rápido para comandantes e imediatos analfabetos na linguagem das siglas. Dividia-me entre o “Probe” e o “Nato Bravo”. Num dos “Contex”, houve a participação de duas fragatas brasileiras, de que não recordo os nomes. Depois de termos acordado o reabastecimento através dos procedimentos adequados, com um dos navios, passámos a linha de distância, o cabo de suspensão e por fim lá enviámos o fálico “Probe”. Chegado que foi este ao navio brasileiro, começou a notar-se uma faina tremenda que não percebíamos. Perguntadas várias vezes se o dito cujo já estava engatado, foi-nos respondido que estavam a desengatá-lo do cabo de envio para o levarem para o tanque. Pela fonia foi dada ordem para cancelar de imediato a operação. De facto os navios brasileiros não podiam utilizar este equipamento nem estavam muito familiarizados com esta linguagem “NATO”. Acabámos por fazer um reabastecimento de sólidos, simbolicamente representado por uma trança de pão, cuidadosamente fabricada pelo nosso padeiro, que era um artista. A trança tinha um feitio parecido com o “Probe” e duas bolas na ponta. Aguardámos ansiosamente a resposta que os nossos amigos e camaradas brasileiros costumam ter sempre pronta. Azar o nosso. Ela não veio logo, queria eu dizer. Uns dias depois no Funchal, numa recepção a bordo de um dos navios da força, o imediato do referido navio brasileiro, abordou-me e pediu-me desculpa pelo atraso na resposta, mas tiveram que esperar por terra para comprar a prenda adequada, que consistia no último exemplar da PlayBoy. E concluiu o sacaninha "Cada um oferece o que mais gosta, não é mesmo?" Fez-me lembrar a figura imortal do “amigo da onça”. Nesta comissão realizámos também uma viagem de instrução de cadetes, que iam distribuídos pelas fragatas Hermenegildo Capelo e Sacadura Cabral. Entrámos em Brest e em Portsmouth. Aqui, salvámos à terra e prestámos homenagem ao Almirante Nelson através de continência ao HMS Victory, à entrada do porto. Fomos a Las Palmas, Palma de Maiorca, Ponta Delgada e Sines, onde participámos nas festividades do Dia da Marinha. Toquei mais portos estrangeiros nesta curta passagem pelo S. Gabriel, do que em toda uma carreira naval, que incluiu sete navios e muitos milhares de horas de navegação. Não corri os “sete mares” nem todos os portos toquei, mas cumpriu-se um desejo de adolescente, de conhecer novas terras e novas gentes, não para as conquistar e cristianizar, mas para as apreciar mais de perto. Piratas nunca encontrei, pelo menos com perna de pau, olho de vidro e cara de mau. Mas não faltaram as imitações!

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