sábado, novembro 25, 2006

Viagens salgadas (7)

Imagem retirada do site
Ainda a Sagres e ainda o Brasil. Não é todos os dias que se vai ao Brasil, para que nos fiquemos por meia dúzia de palavras atiradas para um blogue que pouca gente lerá, mas que mesmo assim impõe um tratamento mais adequado a esta circunstância excepcional. As telenovelas ainda não nos tinham invadido e, só a batida cantante daquele Português falado do outro lado do Atlântico nos fazia alegrar. Quando a isso se juntava um rebolar sambista de cabocla do Rio, o mundo parecia perfeito. Por circunstâncias felizes convidaram-me para fazer esta viagem como chefe do serviço de comunicações do navio, coisa para a qual não teria as habilitações técnicas próprias, uma vez que não era especializado. Por minha alta recreação fiz um estágio de dois dias na Escola de Comunicações, fui ao Centro de Comunicações da Armada fazer uma visita e conversar com o camarada que o chefiava na altura, conversa essa que me foi de uma utilidade fantástica. Assim me falou ele na altura. Leia o ICA2 e o ICA10, leve esta previsão de propagação ionosférica para a zona onde vai navegar e não se preocupe mais. O meu antecessor tinha-me feito umas recomendações sobre algumas preocupações do comandante, nomeadamente nas fainas, relacionadas com o içar e arriar do jaque e lá fomos. Nesse dia ou no seguinte, já não consigo precisar, fui pedir ao comandante para fazer uma chamada telefónica para casa. A sua reacção foi quase de agressão. Não tive bem a certeza de que não voltássemos para trás, naquele preciso momento, para me fazer substituir. Perguntei ingenuamente qual era a razão de tal alarido, uma vez que era uma prática prevista e autorizada pelas publicações antes mencionadas e que eu tinha lido até os olhos me doerem. Quis ver isso escrito, preto no branco, e, só depois, a muito custo, autorizou a chamada que fiz sem problemas, recorrendo a Lisboa Rádio. Quis ele também experimentar e nunca mais me vi livre das malditas chamadas enquanto foi possível ouvir Lisboa e o Funchal. Perguntou-me um dia por que razão nenhum dos anteriores chefes de serviço, especializados, lhe haviam falado nessa possibilidade, ao que respondi que os percebia agora perfeitamente. Mantive em segredo, até certa altura da viagem, a posse do mapa de propagação das radiofrequências na ionosfera, o que me granjeou entre o pessoal técnico de comunicações – telegrafistas – um certo prestígio. Quando o sargento telegrafista vinha ter comigo a dizer que se estava a ouvir mal a radiodifusão, eu dizia-lhe para experimentar a frequência tal e normalmente funcionava. A meio da viagem contei-lhe e estudávamos em conjunto as melhores soluções. Éramos obrigados a escutar todos os períodos da radiodifusão para três operadores, o que inviabilizava, nos portos, licenças diárias para os telegrafistas. Quando chegámos ao Rio de Janeiro, “começámos a ter grandes dificuldades” – QRM’s – na recepção e transmissão de serviço para Lisboa pelo que passámos a recorrer aos serviços da embaixada para envio de tráfego não classificado, ficando o outro para quando saíssemos. Assim se disse, assim se fez! (A continuar)