domingo, novembro 19, 2006

Viagens salgadas (4)

"A quem Neptuno e Marte obedeceram..."
África outra vez. No Bartolomeu Dias (1964-1967) demandei Bissau, Luanda, Saldanha Bay, dobrei o Cabo das Tormentas, fui a Durban e corri vezes sem conta toda a costa de Moçambique desde a Ponta do Ouro até ao Rovuma. Ali conheci os temporais do Canal de Moçambique! Ali casei! Aí tomei pela primeira vez contacto com a música dos Beatles, tocada e cantada pelos “I cinque di Roma”, na Boite do Polana. Aí contactei e convivi com camaradas muito mais antigos, que muito me fizeram aprender sobre o Mar e a Marinha. Algumas vezes, pelo método de redução ao absurdo. Nunca em toda a minha vida profissional tive tantos "encargos" - Chefe de Serviço de Armas Submarinas, Chefe do Serviço de Educação Física e Cte da Força de Desembarque do Navio. As ihas Quifuqui e Metundo, "nunca antes navegadas", foram visitadas por esta força, na busca de "turras", que teriam realizado o primeiro ataque do género em Moçambique, ao Posto do Chai, e naquelas ilhas teriam procurado refúgio. Encontrámos um atol lindíssimo, com teias de aranha que pareciam véus, caindo da copa da vegetação envolvente, como um manto que protegesse as águas transparentes, onde miríades de peixes do coral de todas as cores e feitios se compraziam em danças e volteios. Entre inúmeros registos destes três anos de navio, alguns merecem-me reparo especial. Fomos encarregados de ir desactivar ou rebentar uma antiga mina Vickers Armstrong, que dera à costa, na foz do Rio Lúrio. Saímos de Porto Amélia, na lancha da Capitania, eu, o Comandante da Defesa Marítima e um marinheiro torpedeiro-detector, que havia tirado um curso rápido de manuseamento de cargas de demolição. Desembarcámos num local paradisíaco, depois da entrada da barra duma pequena enseada, chamado Mecúfi. Águas azuladas e transparentes, um palmar interminável debruçado sobre elas e uma pontecais com passadiço de madeira que desembocava directamente na casa do Chefe de Posto, em estilo colonial, de varandim corrido em toda a volta. Daí seguimos em viatura todo o terreno até ao local onde se encontrava o engenho, uns bons dez quilómetros percorridos entre palmares e o areal da foz do rio. Ali chegados e depois duma inspecção, foi entendido que a sua destruição seria a acção adequada. Preparou-se o material com duas cargas de demolição focais, ligadas com cordão detonante e rastilho para cerca de três minutos, suficiente para garantir à equipa atingir um abrigo adequado a uma explosão de cerca de 200 Kgs de trotil. Foi iniciada a ignição do rastilho e procurado o abrigo mencionado. Aí aguardámos a explosão que não mais se fez ouvir. Decorridos uns cinco ou seis minutos angustiantes, dirigi-me sozinho ao engenho, a “tremer de coragem”. Lá, depois de verificado que o rastilho ardera na totalidade, houve que determinar a razão de não rebentamento das cargas. Para isso foi retirado o cordão detonante das ditas e só nesse momento foi possível respirar fundo. Verificada a causa, repostas as cargas, foi finalmente feito o rebentamento das mesmas, já que a mina estava oca e possivelmente a servir de bóia de amarração num porto qualquer do Índico. Em Durban, estivemos cinquenta e cinco dias a docar. A limpeza do fundo e do costado em doca seca era feita por presos, na sua grande maioria ou mesmo totalidade de raça negra, que todos os dias vinham com escolta policial, que ficava nas muralhas da doca enquanto eles realizavam estes trabalhos. Um desses dias, estava eu debruçado a vê-los trabalhar no costado, quando ouvi uma voz que a mim se dirigiu – Ei signori! Una cigarretta, per favore! Perguntei – Italiano? Resposta – Sicciliano! Na Beira brincámos às guerras com os Ingleses, por causa da Rodésia. O "Yoanna V" que furou o bloqueio entrando na Beira, onde descarregou petróleo para o Ian Smith. Nos intervalos de mar lá íamos fazer a ronda das “capelinhas”. As músicas que se ouviam eram italianas e francesas, muito puxadas ao sentimento. Os “singers”, oleosos e empastados, espremiam-se todos para imitar o Gianni Morandi ou o Aznavour. Os jogos do Campeonato do Mundo de Futebol em Inglaterra, ouvidos na rádio. O desafio aos navios ingleses por fonia - encontramo-nos na final! (A continuar)

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