sexta-feira, novembro 24, 2006

Imaginário, encantador de patos...

Era vê-los rodopiar e atirarem-se decididamente para o tanque de arroz donde vinha o grasnar de chamamento. Pouco antes de atingirem a água um tiro certeiro ou nem tanto alterava-lhes os propósitos entre manifestações de júbilo ou o praguejar de quem ganhou um troféu ou perdeu essa oportunidade. Hoje são troféus, ontem era a sobrevivência. Imaginário, desde cedo teve que fazer pela vida, ou nos trabalhos pesados do campo ou acompanhando o pai nas jornadas de caça, que este fazia para tapar a boca duma série de filhos, seis ou sete, com uns coelhotes agarrados em armadilhas de laço, uma lebrita morta a tiro, porque justificava o custo do cartucho, ou umas perdizes apanhadas com rede nos bebedouros ou por chamamento na altura do acasalamento. Desde novo treinou o chamamento das perdizes primeiro, dos patos depois, das raposas também e da restante passarada a seguir, por prazer. Esquecia nesses momentos os pés enregelados enterrados na lama ou o frio que lhe trespassava as calças esfarrapadas e encharcadas e que já subia pela camisa de flanela encardida e puída. O queixo tremia-lhe, não sabia se de frio ou excitação. Hoje recorda esses tempos com respeito e emoção. Os trinados de chamamento, diz ele, têm que ser de acordo com aquilo que os animais estão ou querem fazer. Para comer será um, para acasalar outro, para juntar o bando, um terceiro. Imaginário tem um compromisso de sangue com a bicharada e só dá oportunidade de partilha a uns quantos que elege segundo os seus critérios de escolha. Diz ele que apesar destes patos serem de arribação e portanto virem de países longínquos, falam todos a mesma língua. Não precisa de saber ler nem escrever para com eles falar e com eles se entender perfeitamente. Percebe-se agora, digo-o eu, porque caímos como patos, assim que nos aparece pela frente um qualquer Imaginário, encantador de patos e enganador de sonhos…
Imagem retirada deste site

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